Opinião do Estadão
Um estudo do Ministério do Planejamento sobre o impacto efetivo do projeto que reajusta em 56%, na média, os vencimentos dos 100 mil funcionários dos tribunais superiores do País confirma que não há limites para a irresponsabilidade fiscal daquele que já é o mais pródigo dos Três Poderes.
O Judiciário, ao elaborar a proposta em tramitação no Congresso desde dezembro, alega que os salários dos seus servidores estão defasados em relação ao Executivo e ao Legislativo. Em nome disso ? e de uma interpretação extravagante do conceito de autonomia administrativa e financeira ? se concebeu um projeto característico do que a Ilha da Fantasia chamada Brasília tem de mais condenável. É a celebração do marajanato de alto a baixo na hierarquia judiciária.
Segundo o levantamento divulgado ontem pelo Estado, o piso salarial dos auxiliares judiciários, como copeiros, garçons e contínuos, que exercem funções de apoio para as quais se requer apenas escolaridade fundamental, passará a ser R$ 3.615,44. O teto, incorporando as vantagens pessoais do serviço público, que tendem a dobrar, ou mais, a paga inicial, chegará a R$ 8.479,71. A proposta não faz menção a tais valores. Um anexo informa apenas o montante dos vencimentos básicos, acrescidos de uma gratificação.
Em regra, um funcionário ganha mais do que um empregado de empresa privada quando ambos exercem atividades que demandam poucos anos de estudo e habilidades comuns. Já o mercado remunera melhor do que o Estado o pessoal de nível superior dotado de qualificações especiais ? um obstáculo à formação de uma elite burocrática na área estatal. Ao que tudo indica, porém, isso não vale para o Judiciário. Nele, todos os contracheques superam os da iniciativa privada, em posições funcionais idênticas ou assemelhadas.
Se, por exemplo, um interessado em trabalhar como agente de segurança numa empresa do setor pedir remuneração inicial de R$ 7.500 mensais, decerto será rejeitado e aconselhado a procurar ajuda psiquiátrica. Mas, na proposta do Judiciário, esse é o piso desejado para os responsáveis pela segurança dos ministros das Altas Cortes (R$ 7.529,13, para sermos exatos). No topo da carreira, serão R$ 14.591,90.
Compare-se agora quanto um advogado em início de carreira leva para casa no fim do mês ? por jornadas que frequentemente varam as noites e invadem os fins de semana ? com o que o Judiciário quer que o contribuinte remunere de partida os seus analistas, que estudam processos, elaboram pareceres e pesquisam a legislação: R$ 10.283,59. Ou de 5 a 10 vezes mais do que um escritório de advocacia paga aos novatos pela mesma atividade.
Tem mais: se o projeto passar como está ? o que é bem provável, dado o receio dos políticos de brigar com a magistratura ?, um analista judiciário que tenha doutorado e exerça cargo de confiança há duas décadas receberá no fim da carreira R$ 33.072,55.
Decerto serão poucos os servidores nessa invejável situação. Que fosse um único: teria furado o teto do serviço público, ou R$ 26.723,13. Isso, sem falar no efeito "corrente da felicidade" da nova tabela ? as reivindicações de acréscimos proporcionais no Judiciário dos Estados, com a eterna invocação da isonomia.
Calcula-se que os aumentos propostos custem R$ 6,4 bilhões ao erário. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, adverte que não há como pagar o reajuste este ano. Mas isso nada significa para a vasta confraria do "quero o meu" e os seus prestadores de serviços no Congresso Nacional. A União gastou nos 12 meses encerrados em abril 4,8% do PIB com o funcionalismo (R$ 155,2 bilhões em valores absolutos). No mesmo período, os investimentos do governo federal representaram 1,2% do PIB (ou R$ 40,1 bilhões).
Haveria algo clamorosamente errado com isso, mesmo que a baixa qualidade dos serviços públicos ? a exemplo da lentidão do Judiciário ? não fosse a afronta que é para a sociedade envergada pelo pagamento dos impostos que os sustêm. E a cúpula dos tribunais superiores do País ainda se permite atribuir à defasagem salarial com os outros Poderes os "prejuízos no que se refere à celeridade e à qualidade da prestação jurisdicional".
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