Bellini Tavares de Lima Neto (*)
Há quem ache que o formato do jornal é muito desconfortável.
De fato, pensando bem, aquele tamanhão todo às vezes causa problemas e dificuldades. Por exemplo, aquela imagem fagueira e aprazível de um cidadão sentado num banco de uma pracinha acolhedora lendo seu jornal pode ficar extremamente prejudicada e até inviabilizada se estiver soprando um vento daqueles de encher o olho de cisco. Isso, sem falar que, num ambiente desses ou num transporte coletivo (supondo, é claro, que se encontre um banco para sentar) o leitor sempre está sujeito àquelas criaturas que parecem não conseguir controlar o impulso de ficar lendo a parte de trás do jornal. Alguns se entretêm tanto que quando o titular do periódico resolve virar a página, o caronista é capaz de pedir que ele espere um pouco. E ainda há os que chegam ao jornal, antes do assinante, e resolvem dar uma sapeada deixando o pobre veículo de comunicação em estado desesperador, mais para veículo ferroviário depois do descarrilamento. É claro que, nesses particulares, a revista e o livro apresentam significativas vantagens sobre o velho e galhardo jornalão.
Mas, fossem esses os inconvenientes e simplesmente não haveria inconvenientes. Complicado, mesmo, é o conteúdo, o que se encontra nas páginas do tradicional informativo diário. Circunstancial e aleatoriamente, tomei o dia 04 de fevereiro de 2010 como exemplo.
Poderia, perfeitamente se tomar qualquer outro dos demais 364 dias e seis horas e nada se alteraria. O mesmo vale para o periódico escolhido.
Pode ser qualquer um deles, exceção feita, talvez, àqueles que são patrocinados pelos bancos de sangue da cidade. Diz a manchete do meu jornal deste dia que a Advocacia Geral da União ameaça membros do Ministério Público com processos judiciais caso os procuradores insistam em contestar as ordens do Poder Central que liberaram obras de hidrelétricas que estavam embargadas por determinação do Tribunal de Constas da União em face de suspeitas (ou mais do que isso) de superfaturamento e desvio do dinheiro público. Que diferença pode fazer o vento desalinhando as páginas ou o curioso que misturou os cadernos e os deixou fora de prumo? Se existe um Tribunal de Contas para fiscalizar a compulsão de alguns em subtrair verbas públicas, como pode ele ser desautorizado por quem quer que seja, a menos que se constate que ele, o tribunal, é que anda misturando as bolas e se valendo de sua função para fins outros? E, em qualquer das duas hipóteses, não cabe exatamente ao Ministério Público investigar algo dessa natureza?
E não deveria a Advocacia Geral da União ter o maior interesse na proteção da ordem e dos preceitos legais que regem o gasto dos dinheiros públicos? Aí já começa a ficar até interessante se o vento levar algumas páginas do informativo sob pena de se embaralharem. Não as páginas mas a cabeça do leitor.
Mais adiante se vê, estampada como título da página 6, a assertiva de que a Oposição vê uso eleitoral do Bolsa-Familia. A matéria dá conta de uma certa instrução criada pelo Governo Federal e dirigida a prefeitos estabelecendo que algumas das regras do programa poderão ser alteradas nos próximos exercícios. Mas, o que confunde a cabeça de um mortal é a declaração das oposições que desconfiam do uso eleitoral do caridoso programa. Vamos ver: há poucas semanas as autoridades modificaram regras e critérios que deveriam ser aplicados no curso de 2010 e que causariam a exclusão de uma considerável parcela dos beneficiários do programinha.
Por conta disso, ninguém será retirado do programa ao menos até 31 de outubro de 2010.
E as oposições “suspeitam” de um uso eleitoreiro do programa por parte dos governistas. Governistas, aliás, que posam para uma exótica foto em que se encontram o titular do trono palaciano e sua acompanhante siamesa em mais uma inauguração, trajando bizarros macacões da Petrobrás. Duas páginas à frente a tônica é inversa. Agora é o partido do governo que ataca o governo de São Paulo de estar fazendo campanha eleitoral por meio de uma certa carta em que enaltece suas realizações. Tudo bem mais acanhado que a maciça campanha publicitária desencadeada desde o final do ano de 2009 e com todo gás em 2010 abordando segurança no trânsito, combate ao uso de drogas, educação, saúde, tudo seguido do já conhecido “Brasil, um país de todos”.
O leitor, a esta altura, já pode estar quase se afundando sob as páginas revoltas do jornal que enfrenta os ventos bravios mas, heroicamente mantém o periódico sob os dedos. E, então, se depara com noticias como essas, algumas impenitentemente contaminadas pela sonsice, outras colocando em diâmetros opostos, situações exatamente iguais, exceto pela autoria. Que segurança pode ter esse intrépido e destemido leitor que, tomado de profunda consciência social e histórica, se dispõe a enfrentar a aventura de enveredar pelas perigosas páginas do periódico? Nenhuma. Além das ameaças atentatórias à sua integridade física (uma página dupla pressionada pelo vento contra as vias respiratórias de um incauto podem levar a óbito) há o risco de o conteúdo informativo levar a um estado tal de confusão mental que comprometa a organização intelectual sobretudo daqueles que ainda conservam resquícios de bom senso, honradez e outras obsolescências.
A parte menos grave das ameaças pode ser resolvida pelos proprietários dos órgãos de imprensa simplesmente pensando num formato mais palatável dos jornais. Já a parte relativa ao noticiário, essa, além de muito mais perigosa, não parece ter solução, não. Pelo contrário, dá a impressão que nem é problema.
Afinal, com tanta aprovação, não é, não?
(*) Advogado, agora avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)
Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http://blcon.wordpress.com/
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