sexta-feira, 18 de junho de 2010

O Dia dos Reis Menos Nobres

Bellini Tavares de Lima Neto (*)

No dia 06 de janeiro de 1989 a sociedade brasileira finalmente ganhou a redenção e se livrou da enorme angústia que a vinha assolando por alguns longos meses. Nesse dia que, apenas por coincidência e até então, era consagrado aos Três Reis Magos e conhecido como “Dia de Reis”, ganhou uma nova e doméstica fisionomia. Transformou-se no dia em que se revelou ao mundo a identidade do autor do crime do século: o assassinato de Odete Reutmann. Consagrou-se como o dia em que, para alivio das consciências atormentadas, foi respondida a mais importante pergunta dos tempos modernos: “quem matou Odete Reutmann?”

Seria interessante pesquisar e tentar o mecanismo de ação que leva a sociedade brasileira a se envolver tanto com as injustiças das novelas de televisão ou, até mesmo, de outros programas apresentados por ela. O folhetim que eternizou a personagem Reutmann foi apenas um dos diversos exemplos de situações que quase paralisam o planeta-Brasil, suspendem o fôlego da população quase inteira até que o mistério seja desvendado e, acima de tudo, a sede de justiça seja saciada. Pode-se afirmar que isso não é um fenômeno exclusivo das novelas porque essa outra invenção midiática que ganhou o sugestivo nome de “reality show” não perde em nada para as historias de quase nove meses da televisão. E a sociedade se envolve com todo o estoque de emoção que é capaz, discute, se inflama, dá palpites, debate o assunto, tudo em nome de que sejam restabelecidos a moral e os bons costumes e se realize o sagrado instituto da justiça.

Um povo assim merece aplausos. Em que outros lugares deste vasto mundo os habitantes se mostram tão ciosos da necessidade de se preservar e materializar a justiça e se sentem tão ultrajados com qualquer afronta a ela? Difícil imaginar. E difícil responder. Mas, curiosamente, também é difícil responder a algumas outras perguntinhas que vivem zunindo por aí como impertinentes pernilongos. Só para exemplificar, no ano de 2005, mais ou menos seis anos depois da inauguração da nova era do 06 de janeiro, explodiu nas páginas dos jornais e nos demais veículos de comunicação uma denuncia formulada por um deputado federal a respeito de compra de apoio por parte do governo federal junto ao congresso nacional. Ganho o simpático apelido de “mensalão”. Se se for pensar que se tratava de dinheiro público sendo desviado para o bolso de parlamentares com o propósito de garantir que eles votassem a favor do governo, o assunto é sério. Talvez não seja tão grave como um assassinato, mas não há como negar que é matéria para cutucar o mais insensível dos cidadãos. Como era de se esperar, a história rendeu desdobramentos de todas as faces e versões até chegar, anos depois, à mais curiosa de todas: tudo não passou de uma armação das oposições mancomunadas com a imprensa golpista pretendendo desestabilizar o presidente da república e seu partido.

Isso é apenas um exemplo em meio a um manancial deles. Será que o tal “mensalão” consistia mesmo naquilo que foi denunciado e que acabou custando a cabeça de pelo menos dois membros do parlamento? Ou, de fato, tudo não passou de uma grande e desonesta conspiração armada pelas oposições com a finalidade de denegrir a imagem do presidente da república e seus seguidores? Seja lá o que tenha sido, alguém cometeu algum tipo de infração à lei. Não seria, então, o caso de se apurar a verdade e punir os responsáveis pelo comportamento ilícito, seja lá de quem tenha sido? A sociedade não deveria se indignar com isso e exigir que tudo fosse esclarecido? E na mesma linha desse, há uma outra enorme lista de episódios que vem merecendo acusações de parte a parte sem que se esteja procurando desvendar os mistérios e identificar os responsáveis. Dois deles, por sinal e até onde se sabe, envolvem gente morrendo assassinada, mais ou menos como aconteceu com a pobre Sra. Reutmann.

Pois aí e que começa a ficar difícil de compreender e de responder.. Porque a nação se enche de indignação diante da ruptura de princípios inventada pela imaginação ilimitada dos ficcionistas da televisão e, ao mesmo tempo, faz vistas grossas e passa direto diante das situações muito mais graves ocorridas no dia a dia? Afinal, desvendado no dia 06 de janeiro de 1989 o crime praticado contra D. Odete e experimentado o alivio profundo da nação pela justiça feita, o dia seguinte, 07 de janeiro, amanheceu sem qualquer futuro tanto para a vítima e seus familiares quanto para a sinistra autora do delito. A novela acabou. Já a nossa, essa do dia a dia, tem dia seguinte e seguinte e seguinte. Então, porque esse protecionismo todo com a distinta senhora, todo esse clamor em prol de que ela não fique sem justiçamento. E nós todos, “odetes” do cotidiano?

Será que não seria o caso de se começar a dar a isso tudo a mesma atenção que se dá na sexta-feira à noite quando os mistérios da novela são desvendados. Nem que seja em homenagem à memória de Odete Reutmann

(*) Advogado, agora avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)
    Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http://blcon.wordpress.com/

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