Renato Mauricio Prado (*)
O deplorável episódio em que o técnico Dunga ofendeu o jornalista Alex Escobar com repetidas grosserias, na entrevista coletiva de anteontem, após a vitória brasileira sobre a Costa do Marfim, no Soccer City, levou vários colegas (e amigos) a abordarem o tema ontem, e certamente outros ainda o farão hoje.
Concordo com o conteúdo da maioria dos textos que li, nos blogs, e das opiniões que ouvi, nas rádios e nas TVs. André Rizek, Lédio Carmona e Marcelo Barreto, por exemplo, lembraram, com propriedade, da liturgia e a responsabilidade do cargo e da obsessão doentia do treinador de viver sempre em conflito, em guerra aberta contra tudo e (quase) todos, usando o ódio como combustível maior de seu trabalho, prática desenvolvida nos tempos de jogador e aprimorada, agora, como técnico — e sobre isso, antes até da explosão execrável com Escobar, outro companheiro, Aydano André Motta, já escrevera (muito bem) em seu blog, no GLOBO on line.
O que me levou a refletir sobre o assunto, entretanto, foi outro aspecto da mesma questão. O que fazem, afinal, os repórteres, nas entrevistas de Dunga? O que ele tem, de fato, a dizer, não para nós, jornalistas, mas para os leitores, telespectadores e ouvintes que representamos — os torcedores, enfim?
Se produzirmos, com rigor, os melhores momentos das incontáveis entrevistas que Dunga deu, desde que assumiu o cargo (há quase quatro anos), não chegaremos a cinco minutos de formulações realmente interessantes. Tal material, bem editado, serviria, quando muito, para um comercial no estilo guerreiro — como esses tantos que ele estrela agora, aproveitando-se (e ba$$$tante) do cargo.
Em compensação, fomos obrigados a ouvir inúmeras barbaridades, como as recentes afirmações de que não se sentia capaz de julgar a ditadura, a escravidão ou o nazismo, pelo singelo fato de que não os vivenciara...
Argumento absurdo e estúpido através do qual, na verdade, tentava insinuar algo como “quem não foi jogador não tem condição de julgar o meu trabalho” (e até parece que ele respeita, pelo menos, a opinião dos ex-jogadores que se transformaram em comentaristas).
Rei dos clichês do futebol, Dunga passou a exibir como bandeiras o repúdio a tudo o que aconteceu na Copa de 2006 e duas palavras que repete “ad nauseam” em suas monocórdicas entrevistas: coerência e comprometimento.
Mas onde estava a tal coerência ao convocar para a Copa um jogador (Grafite) que só participou de 20 e poucos minutos de um amistoso antes da convocação final? E, por acaso, comprometimento é sinônimo de gratidão — justificativa para a convocação de Doni, goleiro que nem sequer joga no Roma?
Bem, o conhecimento do vernáculo nunca foi o forte do treinador e, apesar do mal que faz aos ouvidos seus já famosos “com nós” e que tais, nem é isso que devemos cobrar dele. Apenas que escolha, treine e escale os melhores jogadores do Brasil. E que isso resulte em títulos.
Justiça seja feita, Dunga tem atingido seus objetivos. Querer que explique como, é exigir demais dele. Acho, sinceramente, que a única coisa do treinador que deve nos interessar é o que o seu time faz em campo. Se jogar bem, que seja elogiado. Se jogar mal, criticado. Simples assim.
Dispenso as entrevistas que, pela falta de educação do técnico aliada à sua incapacidade de se expressar, tornaram-se desagradáveis e dispensáveis.
Gostemos ou não de Dunga, a seleção que ele treina é o que nos interessa e pode, sim, ser campeã mundial. Se, por causa dele ou apesar dele, cabe a cada um julgar.
Mas, por favor, me poupem de suas entrevistas...
(*) Jornalista esportivo, comentariasta da Sportv
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