Bellini Tavares de Lima Neto (*)
Hoje é o dia das bruxas, uma importação cultural que ganhou corpo por este lado dos Trópicos. Não é a única, claro. Há outras.
Mas hoje também é o dia em que os jornais e demais meios de comunicação trazem a noticia de que o Tribunal de Justiça Desportiva resolveu receber o pedido formulado pela Sociedade Esportiva Palmeiras para que seja disputada uma nova partida com o Internacional de Porto Alegre em virtude de um episódio ocorrido em um jogo recente.
Como foi amplamente divulgado, um atleta do Palmeiras marcou um gol de forma irregular, usando a mão. O árbitro da partida aparentemente não viu a irregularidade e confirmou o gol. Houve lá uma confusão, uma conferencia entre autoridades e o juiz reformulou sua decisão e declarou inválido o gol.
A direção do Palmeiras, no entanto, se revoltou com a mudança de atitude do árbitro e requereu a anulação da partida e a consequente realização de outra. A primeira reação, natural, espontânea por parte de qualquer é de espanto, surpresa e até certa indignação.
Ora, com que dose de cinismo a agremiação esportiva postula a anulação da partida mesmo reconhecendo que o gol foi feito de forma irregular? Afinal, as câmeras de televisão mostraram com absoluta clareza que o lance foi ilegal, irregular, insustentável.
O que se poderia esperar senão a justa anulação do gol? Pois é. O que se poderia, se deveria e se deve esperar, ansiar e jamais abrir mão é de algo simples, porém vital à sobrevivência de qualquer sociedade que almeje um mínimo de dignidade: critério.
Que o lance do jogo foi irregular, ninguém coloca em dúvida. O que se discute é o fato de o árbitro, autoridade máxima o momento, não ter visto a irregularidade e validado o lance. Argumente-se, em sentido contrário, que além do árbitro existem dois ou três auxiliares cuja função, como o próprio nome indica, é prestar apoio à referida autoridade máxima.
Segundo se alega, contudo, tampouco esses auxiliares foram capazes de detectar a infração. Teria cabido a um outro elemento, aparentemente estranho à partida, o condão de identificar e assim denunciar o erro.
Mas, argumente-se, não é correto que, qualquer um possa fazer esse papel? Não seria isso uma demonstração de saneamento do esporte?
Sim, mas desde que assim esteja previsto e contemplado nos regulamentos dos esportes. Em outras palavras, desde que haja sido estabelecido o critério.
A perda de uma partida de futebol tem consequências bastante limitadas dentro de um contexto social, ainda que mereça respeito.
No entanto, é graças à falta de critério que alguns se arvoram a defender a pena de morte imediata e sumária em casos de crimes hediondos, sem considerar que essa mesma falta de critério poderá se tornar algoz de inocentes quando assim indicarem interesses escusos detidos por autoridades inescrupulosas.
Credite-se à falta de critério a enorme quantidade de injustiças que são cometidas em concursos públicos, exames exigidos para ingresso em carreiras e tantas outras situações em que prevaleça o julgamento individual.
A falta de critério enfraquece o império da lei e quando esse império perde a força, dá lugar ao que de pior uma sociedade pode produzir: o desrespeito à lei e sua majestade. Isso dá margem, por exemplo, a uma das piores criações de uma sociedade carente de dignidade, decência e segurança: a lei que pega e a que não pega.
Basta uma reflexão de curto espaço de tempo e qualquer um conseguirá identificar algumas delas, as tais leis que pegam e as que não pegam. Não sei se o Palmeiras vai conseguir seu intento. Tampouco imagino se o atleta responsável pela irregularidade vai sofrer algum tipo de punição.
Nunca é demais recordar que um Campeonato Mundial de Futebol foi decidido graças a um gol inteiramente irregular do qual o país vencedor e seu autor se orgulham até hoje. Tampouco se esqueça de um outro episodio semelhante que deu a um grande vencedor da América do Sul um título de campeão em idênticas condições.
O que importa, realmente, é que sejam estabelecidos os critérios.
Se, graças ao desenvolvimento da tecnologia moderna, tornou-se possível identificar situações como essa que acaba de ganhar as páginas dos jornais, que seja estabelecido o critério.
Decisão sem critério não é decisão, é despotismo, casuísmo, prato predileto de todos os regimes autoritários.
E. uma vez que se importa o Dia das Bruxas, porque não importar, também, o hábito de respeitar as regras?
(*) Advogado, avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)
Hoje é o dia das bruxas, uma importação cultural que ganhou corpo por este lado dos Trópicos. Não é a única, claro. Há outras.
Mas hoje também é o dia em que os jornais e demais meios de comunicação trazem a noticia de que o Tribunal de Justiça Desportiva resolveu receber o pedido formulado pela Sociedade Esportiva Palmeiras para que seja disputada uma nova partida com o Internacional de Porto Alegre em virtude de um episódio ocorrido em um jogo recente.
Como foi amplamente divulgado, um atleta do Palmeiras marcou um gol de forma irregular, usando a mão. O árbitro da partida aparentemente não viu a irregularidade e confirmou o gol. Houve lá uma confusão, uma conferencia entre autoridades e o juiz reformulou sua decisão e declarou inválido o gol.
A direção do Palmeiras, no entanto, se revoltou com a mudança de atitude do árbitro e requereu a anulação da partida e a consequente realização de outra. A primeira reação, natural, espontânea por parte de qualquer é de espanto, surpresa e até certa indignação.
Ora, com que dose de cinismo a agremiação esportiva postula a anulação da partida mesmo reconhecendo que o gol foi feito de forma irregular? Afinal, as câmeras de televisão mostraram com absoluta clareza que o lance foi ilegal, irregular, insustentável.
O que se poderia esperar senão a justa anulação do gol? Pois é. O que se poderia, se deveria e se deve esperar, ansiar e jamais abrir mão é de algo simples, porém vital à sobrevivência de qualquer sociedade que almeje um mínimo de dignidade: critério.
Que o lance do jogo foi irregular, ninguém coloca em dúvida. O que se discute é o fato de o árbitro, autoridade máxima o momento, não ter visto a irregularidade e validado o lance. Argumente-se, em sentido contrário, que além do árbitro existem dois ou três auxiliares cuja função, como o próprio nome indica, é prestar apoio à referida autoridade máxima.
Segundo se alega, contudo, tampouco esses auxiliares foram capazes de detectar a infração. Teria cabido a um outro elemento, aparentemente estranho à partida, o condão de identificar e assim denunciar o erro.
Mas, argumente-se, não é correto que, qualquer um possa fazer esse papel? Não seria isso uma demonstração de saneamento do esporte?
Sim, mas desde que assim esteja previsto e contemplado nos regulamentos dos esportes. Em outras palavras, desde que haja sido estabelecido o critério.
A perda de uma partida de futebol tem consequências bastante limitadas dentro de um contexto social, ainda que mereça respeito.
No entanto, é graças à falta de critério que alguns se arvoram a defender a pena de morte imediata e sumária em casos de crimes hediondos, sem considerar que essa mesma falta de critério poderá se tornar algoz de inocentes quando assim indicarem interesses escusos detidos por autoridades inescrupulosas.
Credite-se à falta de critério a enorme quantidade de injustiças que são cometidas em concursos públicos, exames exigidos para ingresso em carreiras e tantas outras situações em que prevaleça o julgamento individual.
A falta de critério enfraquece o império da lei e quando esse império perde a força, dá lugar ao que de pior uma sociedade pode produzir: o desrespeito à lei e sua majestade. Isso dá margem, por exemplo, a uma das piores criações de uma sociedade carente de dignidade, decência e segurança: a lei que pega e a que não pega.
Basta uma reflexão de curto espaço de tempo e qualquer um conseguirá identificar algumas delas, as tais leis que pegam e as que não pegam. Não sei se o Palmeiras vai conseguir seu intento. Tampouco imagino se o atleta responsável pela irregularidade vai sofrer algum tipo de punição.
Nunca é demais recordar que um Campeonato Mundial de Futebol foi decidido graças a um gol inteiramente irregular do qual o país vencedor e seu autor se orgulham até hoje. Tampouco se esqueça de um outro episodio semelhante que deu a um grande vencedor da América do Sul um título de campeão em idênticas condições.
O que importa, realmente, é que sejam estabelecidos os critérios.
Se, graças ao desenvolvimento da tecnologia moderna, tornou-se possível identificar situações como essa que acaba de ganhar as páginas dos jornais, que seja estabelecido o critério.
Decisão sem critério não é decisão, é despotismo, casuísmo, prato predileto de todos os regimes autoritários.
E. uma vez que se importa o Dia das Bruxas, porque não importar, também, o hábito de respeitar as regras?
(*) Advogado, avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)