Bellini Tavares de Lima Neto (*)
Meu pai era dessas pessoas que tinham muitas frases. Hábito antigo, hoje não se usa muito disso, sobretudo depois que a “internet” começou a consagrar a linguagem do “msn” que a garotada domina com fluência e que muitos outros, menos atuais, escorregam e precisam de dicionário. Que são os próprios garotos e garotas, é claro. Mas, meu “velho” adorava uma frase. E, boa parte delas, nós, seus filhos, acabamos espalhando por aí a tal ponto que já nos aconteceu de ouvir algumas delas, ditas por pessoas que nem imaginam a coincidência da autoria. Para dizer a verdade, não sei afirmar se as tais frases eram, realmente, de autoria do nosso pai ou se ele apenas as reproduzia com freqüência. Como essa história de direitos autorais não trás vantagem a ninguém por estas bandas, nem mesmo aos autores de verdade, não faz lá grande diferença se a frase era fruto da reflexão de nosso pai ou se era apenas um empréstimo a título gratuito.
Uma dessas frases, que ele usava em discussões mais acaloradas era assim: “você pode até me dar o diploma de burro, mas não peça que eu assine”. É auto-explicativa. Quando alguém tentava impingir a ele algum argumento ou justificativa insuportavelmente cínicos, o velho Tião, quase invariavelmente respondia com essa frase. Realmente, existem situações em que não cabe outra resposta. Ou melhor, até cabem muitas outras e ele mesmo tinha delas em seu repertório, mas nada tão polido quanto essa que, diga-se é polida até onde é possível alguma polidez diante de certas circunstâncias. Ainda há pouco os jornais trouxeram ao público ocorrido na câmara de vereadores de São Paulo. Os parlamentares, que dispõem de uma verba de representação de cerca de R$15.000,00 mensais, consumiram boa parte dela com serviços prestados por empresas que só eles conheciam. Mais precisamente, as tais empresas parecem, ao que tudo indica, não passar de empresas de fachada, endereços virtuais nos quais não funciona atividade alguma.
Algumas tentativas de contato em tais endereços indicaram exatamente isso. Quando alguém atendia, deixava claro que ali não funciona empresa ou atividade alguma.
Mais sintomático que isso, no entanto, foram duas outras constatações. Uma delas é que, ao que parece, os tais serviços quando eram conhecidos, interessavam apenas e tão somente ao parlamentar e não à comunidade pagante. A outra é que significativa parcela das empresas prestadores indicavam apenas e tão somente um cliente e tomador dos serviços: o parlamentar pagante. Então, a situação fica da seguinte maneira: verba de representação de origem pública utilizada para contratar empresas cujos endereços são meramente virtuais (considerando que a palavra “virtual” não tem semelhança com “virtude” mas, muito mais, com fictício); serviços não muito bem identificados ou, quando reconhecidos, deixando evidente que só atendem ao parlamentar e seus interesses, em lugar de servir à comunidade e: prestação de serviços em caráter exclusivo, vale dizer, a empresa só tem um cliente: o vereador. Convenhamos, explicar isso tudo não é tarefa para amadores. E, então?
Muito simples: para que se possa pagar de forma regular é preciso que o prestador do serviço esteja organizado sob a modalidade de pessoa jurídica. Por isso, os prestadores criaram as empresas. Isso, aliás, é o que acontece com os jornalistas que, para receber seus pagamentos dos jornais para os quais prestam serviços, tem que montar suas próprias pessoas jurídicas. Se alguém ligar para a empresa de um desses jornalistas vai perceber que, provavelmente, quem atenderá ao telefone será a mãe do profissional. Essa foi a explicação fornecida por um dos parlamentares pagantes. Sem titubear, sem gaguejar, sem tatibitates., De um só golpe, sem qualquer pretensão trocadilhesca. Bem, os jornalistas se limitaram a responder que não é bem assim que eles recebem seus pagamentos. Eles, jornalistas, são empregados dos jornais e recebem salários. E não comentaram mais nada já que não houve, por parte dos ilustres edis, qualquer observação a respeito dos outros pontos, tais como natureza dos serviços, exclusividade na relação cliente-prestador.
Mas isso são pormenores que, por menores, não merecem que se gaste tempo com eles.
Meu pai tinha, sim, outras frases para situações como essa, mas, em respeito à sua memória, optei por ficar com essa, a do diploma de burro que, sem dúvida, é polida.
E nós não vamos, assinar, não é?
(*) Advogado, agora avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)
Site O Dia Nosso De Cada Dia - http://blcon.wordpress.com/
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