segunda-feira, 28 de junho de 2010

Ficha Limpa e Renúncia

Helenilson Pontes (*)

A “Lei da Ficha Limpa” (Lei Complementar 135/2010), projeto de iniciativa popular que representará uma profunda transformação nos quadros da política brasileira, normalmente é encarada apenas como um instrumento que impedirá a candidatura de pessoas condenadas pelos crimes nela descritos.
No entanto, há um importantíssimo aspecto da Lei que vem sendo pouco lembrado. Trata-se da regra que considera inelegíveis os políticos que renunciaram aos seus mandatos para evitar as sanções decorrentes da cassação.

Segundo a nova Lei, são inelegíveis - para qualquer cargo - o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais que renunciarem a seus mandatos a partir da data do oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura.
Fica claro que a Lei eleitoral também imputou a inelegibilidade às pessoas que renunciaram aos seus mandatos. Assim, aqueles que renunciaram submetem-se a um período de inelegibilidade de 8 anos, que se inicia a partir do término da legislatura correspondente ao mandato renunciado. Vale dizer, aquele que renunciou a mandato cuja legislatura encerrou-se em 31.12.2002, fica inelegível até 31.12.2010; aquele que renunciou a mandato na legislatura que se concluiu em 31.12.2006, fica inelegível até 31.12.2014 e assim sucessivamente.

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu, na última semana, que a “Lei da Ficha Limpa” é aplicável às eleições de 2010, considerando que a inelegibilidade não constitui pena e abrange os fatos avaliados negativamente pelo legislador (tais como condenação e renúncia), mesmo quando tiverem ocorrido anteriormente à entrada em vigor da nova regra.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, a regra eleitoral que prevê a inelegibilidade “não retroage para punir, mas sim busca colocar ao seu jugo os desmandos e malbaratações de bens e erário público cometidos por administradores. Não tem o caráter de apená-los por tais, já que na esfera competente e própria é que responderão pelos mesmos; mas sim resguardar o interesse público de ser novamente submetido ao comando daquele que novamente demonstrou anteriormente não ser a melhor indicação para o exercício do cargo”.

Decidiu a Corte que as novas disposições legais atingirão igualmente a todos aquele que, “no momento de formalização do registro da candidatura”, incidirem em alguma causa de inelegibilidade, não se podendo cogitar de direito adquirido às causas de inelegibilidade anteriormente previstas.
No que concerne à hipótese de renúncia de mandato, o período de inelegibilidade de 8 anos inicia-se do término da legislatura relativa ao mandato renunciado, o que permite que um político que renunciou já tenha sido eleito nas eleições subseqüentes para exercer um novo mandato. Ora, se ao tentar se registrar agora em 2010, para concorrer a um novo mandato, o político ainda estiver dentro do prazo de inelegibilidade de 8 anos, estará ele alcançado pela regra restritiva da nova Lei?

A decisão do TSE, embora não tenha respondido diretamente a esta pergunta, até porque não foi formulada, não abriu exceções à aplicação das novas regras sobre fatos (condenação ou renúncia) ocorridos no passado. Logo, considerando o decidido até o momento pelo TSE, e sem entrar no mérito do seu acerto ou desacerto, não há dúvida de que políticos condenados ou que renunciaram aos seus mandatos estão inelegíveis dentro do prazo legalmente fixado.
Evidentemente que teses jurídicas criativas surgirão no objetivo de criar na Lei e na decisão do TSE uma exceção que elas não contemplaram, pelo menos até agora. A palavra final sobre o destino da decisão do eleitor deverá ficar com o Supremo Tribunal Federal.

(*) Livre Docente em Legislação Tributária e Doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo/SP

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