terça-feira, 29 de setembro de 2009

Amazônia no século 21


Acabo de voltar de uma viagem que todo brasileiro deveria ser obrigado a fazer. Fui ver de perto a Amazônia, quer dizer, um pedacinho da Amazônia, que é um superlativo em si, um trecho lindo e importante sob vários aspectos.

Já tinha ido a Manaus, Belém, Parintins, sempre em viagens meio de trabalho, rápidas e sem profundidade. Desta vez não, foram 10 dias em contato direto com o a floresta e o rio, no caso o Tapajós, com sua água verde esmeralda e suas intermináveis praias de areia branca.

Na verdade fui conhecer in loco o trabalho desenvolvido naquela região há 20 anos pelos irmãos Caetano e Eugênio Scanavino frente ao Projeto Saúde e Alegria, que, como o nome já revela, cuida da saúde e da cultura-alegria de comunidades ribeirinhas no Tapajós e também no rio Arapiuns, ambos compondo uma extensa baía hidrográfica com o Amazonas nas vizinhanças de Santarém, Pará.

A grandiosidade do Tapajós (18 quilômetros de largura em alguns trechos), da floresta (onde se caminha entre árvores de 500 anos ou mais) e as agruras daquele povo (sim, a Amazônia tem gente, não é só mato...) deram muito o que pensar.

A primeira conclusão é tirada de uma frase de Caetano Scanavino: "Muito antes de se falar em internacionalização da Amazônia, deve-se nacionalizar a Amazônia". Ou seja, deve-se ocupar a Amazônia, com preservação e manejo sim, mas com educação, atendimento de saúde e apoio a atividades econômicas autóctones, assim como faz o Saúde e Alegria, contando com o apoio de governos e fundações da Holanda, Alemanha e Estados Unidos e também com alguma parceria com governo federal e prefeituras locais.

Foi por meio desses apoios que o projeto chegou, após duas décadas, ao Abaré, um incrível barco hospital que percorre as margens dos rios atendendo crianças e adultos em suas necessidades elementares de saúde, tratamento dentário inclusive.

Trata-se de uma exceção, o trabalho junto a essas populações, que confirmam a necessidade de mais gente trabalhando mais com mais recursos, porque além de ser o tal pulmão do mundo, a maior reserva natural do planeta e foco de interesses e conflitos, a Amazônia tem sua população para cuidar. Não é nada, não é nada, mais de 30 mil pessoas são atendidas pelo Saúde e Alegria, iniciativa premiada e que merece atenção permanente e respeito.




Outras constatações amazônicas:

1 - qualquer caboclo hoje fala de aquecimento global na região. Não como resultado de algum programa educacional ou de esclarecimento ambiental, não. Trata-se da vida real: este ano ocorreu a maior enchente de que se tem notícia, os rios subiram a níveis nunca vistos nem pelos moradores mais antigos, alguns com 100 anos ou mais. Por que as águas subira tanto, destruindo construções, estradas e encostas? Todo ano vai ser assim, agora? E se o ano que vem for pior? São questões que passaram a assombrar os ribeirinhos, hoje de olho nas mudanças climáticas que já afetam o que parecia inatingível.

2 - Uma praga que se alastra por aquelas bandas é a cultura da soja, que devasta matas, ocasiona erosão, desaloja habitantes e segue uma lógica do mais com menos. O caboclo vende sua terra a preço de banana e acredita na promessa de que vai trabalhar para o "sojeiro", mas logo percebe que o que parecia ser muito dinheiro não era nada, que o cultivo a soja é totalmente mecanizado e não precisa de trabalhadores e que seu destino é engordar as periferias de cidades como Santarém, cercada de pobreza e falta de perspectivas.

3 - Antes dos "sojeiros", a região enfrentou os madeireiros, quase todos oriundos de estados do sul do país e que foram fazer fortuna com madeira ilegal. Andam pra lá e pra cá na cidade com suas caminhonetes gigantescas, enquanto seu "ganha-pão" vai devastando o verde de maneira irracional.

4 - Também é assim com os pastos, que passaram a ocupar o lugar da floresta para abrigar a criação de muito, muito gado, também modificando substancialmente o cenário.

Soja, madeira e gado, talvez esteja aí a resposta para a maior enchente da história.

Mas pelo menos esses assuntos são cada vez mais debatidos, em geral acaloradamente, com prós e contras, porque o nível de consciência das populações locais tem aumentado graças à ação de agentes sociais como o pessoal do Projeto Saúde e Alegria (são 50 pessoas contratadas, entre médicos, educadores, especialistas em meio ambiente e outros, mais uma extensa rede de apoio) e às tecnologias que aproximam as pessoas, como o do celular e da internet.

Todo mundo tem seu celular e antenas improvisadas garantem que se fale, mesmo nas localidades mais ermas.

E a internet prolifera, ainda que em escala menor. Principalmente por meio de ações do Saúde e Alegria, que cria e instala tele centros em comunidades rurais, como Maguari e Jamaraquá, que visitei. Energia solar, parabólica e conexão via satélite garante a essas duas e a mais outras nove comunidade a ligação com o mundo, ou seja, com informações que seria impossíveis de acessar de outro modo.

Por conta das atenções que desperta cada vez mais em todo o planeta, por conta das transformações que agentes sociais estão introduzindo na região e da abertura para outras possibilidades que não seja a devastação pura e simples, vive-se no coração do Brasil uma momento especial de transformações, tendo a tecnologia como apoio.

Trata-se de um movimento para acompanhar com atenção e carinho, preferencialmente com olhos de quem acredita que é preciso nacionalizar a Amazônia.

Luiz Caversan, 54, é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha de São Paulo, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros.

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