Esquerda e direita de mãos dadas com barões da jogatina
A legalização dos bingos no Brasil passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados graças às mãos que se deram o cinismo da esquerda com o oportunismo da direita, reunidos na causa comum que em nada melhora a vida do cidadão nem a imagem do Parlamento.
Emergindo do ostracismo em que mergulhou após ter protagonizado episódios lamentáveis (como o simbólico caso dos dólares na cueca do irmão), o ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) José Genoino argumentou pelo avesso. Em vez de explicar sua adesão ao lobby dos bingueiros, fez uma tentativa canhestra de tornar defensável o indefensável: “Criminalizar o jogo não resolve porque o jogo é da natureza humana. Jogar não é crime. Se jogar não é crime, temos que discutir a regulamentação desta atividade.
Não vamos esconder o sol com a peneira.” Tom idêntico foi usado pelo colega com ideologia oposta à sua, Régis de Oliveira (PSC-SP), juiz de ofício e ex-vice-prefeito de São Paulo (na gestão de Celso Pitta, quando ocupou a Prefeitura com o impedimento do titular com problemas na Justiça). Relator da matéria aprovada, deitou regra e falação: “Precisamos parar com essa mania de querer ser mais realista que o rei.
O jogo existe, é uma realidade. Estamos simplesmente legalizando aquilo que está à margem da lei.” Levando em conta esse “realismo” de Genoino e Régis, é o caso de concluir que a tunga não foi legalizada porque os batedores de carteiras não têm o poder de “fogo” dos barões da jogatina, que ficarão com a parte do leão na partilha dos lucros dos bingos.
A aprovação da matéria exibe os descaminhos do Legislativo no Brasil em assuntos que revelam como moral e bons costumes estão em baixa no Poder que representa a cidadania. O projeto original, da lavra de Mendes Thame (PSDB-SP), previa o contrário: a proibição do jogo. Mas a ele foram “apensados” oito projetos - três a favor dos bingos e dois contra. O que foi aprovado não esconde que tem patrocínio claro e direto: legaliza os bingos e proíbe os cassinos.
Não faltaram argumentos racionais contra o acinte. O deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) enfrentou a farsa da benemerência da chamada contrapartida social de parte dos lucros dos bingos com a constatação de que os 5% da arrecadação dessas casas a ser transferido para a área social é uma esmola de muito pouca valia. Cardozo pôs o dedo na ferida ao questionar: “Esses bingos poderão se tornar, sem nenhuma cautela, grandes lavanderias de dinheiro. Como é que se vai saber que uma pessoa ganhou em vários bingos R$ 20 bilhões?” O ex-promotor Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ) também bateu duro ao afirmar: “Não há casas de bingo sem que haja drogas e prostituição também.” A lógica e a verdade, contudo, cederam mais uma vez lugar ao descaramento, exposto sem disfarces na frase de Gerson Peres (PP-PA): “Se não aprovarmos essa matéria, a clandestinidade será maior.” Ou seja, os deputados legalizam o que o Estado não pode coibir. Uma vergonha!
Opinião do Jornal da Tarde
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