sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Opinião


Irã e Israel - Dois pesos e duas medidas
José Dirceu (*)

Sob o título “Visita indesejável”, o governador paulista José Serra (PSDB) publicou artigo na edição de segunda-feira (23/12) da Folha de S.Paulo para condenar a visita ao Brasil do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.
José Serra enumera fatos e acontecimentos que justificam sua posição. Mas, se acompanharmos seu raciocínio, facilmente concluiremos que também não deveríamos ter convidado o presidente de Israel, Shimon Peres.

Digo isso uma vez que é possível alinhavarmos tantos erros e crimes, políticas não democráticas, agressões e violações aos direitos humanos por parte do governo de Israel e de seus sucessivos primeiros ministros, posicionados cada vez mais à direita e defendendo políticas expansionistas.
São defensores de uma tendência gravíssima do sionismo e responsáveis por vários massacres, verdadeiro genocídio contra os palestinos. Para não falar na política de ocupação territorial por meio de colônias. Veja o nome, que nos lembra a política imperialista do fascismo.

Tanto Israel como o Irã padecem do mal da teocracia e do controle do Estado por partidos religiosos. Os dois países têm mandamentos legais religiosos no mínimo inaceitáveis para nós.
Porém, devemos respeitar sua autodeterminação e procurar entender os processos. E não transformar tais questões em impeditivos para nossas relações de amizade.
Israel tem mais: tem bomba atômica. E, ao tentar esconder esse fato da opinião pública, Serra perde a autoridade para falar em política externa nuclear, campo em que a posição do Brasil é irrepreensível.

Somos signatários do TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear) e estamos cumprindo todas as suas determinações.
Todas mesmo. Do tratado e da AIEA (Agência Nacional de Energia Atômica). Só não podemos deixar de defender para toda e qualquer nação aquilo que defendemos e queremos para nós: desenvolvimento e controle sobre o ciclo completo nuclear, por razões tecnológicas e energéticas.

Receber Shimon Peres e Ahmadinejad no Brasil não significa apoiá-los ou às suas políticas nucleares. Nem concordar com elas. Simplesmente estamos mantendo relações diplomáticas e políticas com os Estados e nações que tais líderes representam, a partir dos nossos interesses nacionais.
O governador argumenta que não devemos receber o presidente do Irã porque este não cumpre as resoluções da ONU (Organizações das Nações Unidas) e de seu Conselho de Segurança.

Mas Israel é campeão em não cumprir as resoluções da ONU sobre a Palestina e nem por isso o Brasil deixou de receber seus primeiros ministros e presidentes.
É de conhecimento público, inclusive, que o Brasil, o governo do presidente Lula e o PT sempre defenderam a soberania e segurança de Israel, bem como a criação do Estado palestino.

Serra sabe de tudo isso. Então por que escreveu o artigo, visto que, pelo seu raciocínio, o Brasil não deveria manter relações com Israel nem com o Irã?
Acredito que Serra só escreveu o artigo para ter o apoio da comunidade judaica brasileira, visto que nenhum país que se respeite e que tenha alguma influência no mundo de hoje conduz sua política externa por semelhantes argumentos.
Além de parciais, significam, na prática, seguir a política norte-americana, que sustenta e apóia regimes como o da Arábia Saudita e tantos outros, aliados de Washington, mas condena o regime dos aiatolás. Ou seja, faz política externa segundo seus interesses nacionais.

Para nós, o Brasil deve fazer sua política externa segundo os próprios interesses e não, como sempre se pautou o governo de Fernando Henrique Cardoso e José Serra, segundo os interesses dos EUA.
Parece que José Serra quer voltar no tempo, quando o que era bom para os Estados Unidos era bom para o Brasil, frase de um ex-chanceler da ditadura que expressou bem um passado que não queremos esquecer para não corrermos o risco de virmos a repetir.

(*)É advogado e foi ministro-chefe da Casa Civil entre 2003 e 2005, durante o primeiro governo do presidente Lula




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