Helenilson Pontes (*)
Na semana que passou o Tribunal de Justiça do Pará, por esmagadora maioria, acatou diversos pleitos de intervenção federal no Estado, fundados no descumprimento de ordens judiciais que determinam a reintegração de posse de propriedades rurais situadas no interior do Estado invadidas por pessoas ligadas ao autodenominado movimento dos sem-terra.
Do ponto de vista jurídico, a intervenção federal é um instituto de defesa do regime federal e da ordem constitucional. O legislador constituinte determina que quando os entes federados afastam-se dos desígnios fundamentais do Estado Democrático de Direito plasmados na Carta Política, torna-se necessário, em caráter extraordinário, a supressão temporária da autonomia política do ente federativo, com o afastamento dos seus governantes, até que a normalidade institucional seja restaurada.
Uma das causas autorizadoras da intervenção federal é precisamente o não cumprimento de ordens judiciais pelos demais Poderes. Foi o que ocorreu no Estado do Pará, onde de longa data, e não apenas na atual quadra, decisões judiciais determinando a reintegração de imóveis invadidos por movimentos que desafiam à legalidade são solenemente ignoradas pelo Poder Executivo, o qual se dá ao luxo de escolher quais as decisões que cumpre e o tempo para executá-las.
O descumprimento de ordens judiciais de diferentes naturezas pelo Poder Executivo paraense tornou-se uma prática rotineira, talvez por isso tenha causado tanta repercussão a decisão do Tribunal de Justiça paraense que, finalmente, agiu com a altivez, a coragem e a independência institucional que se exige dos guardiães da Constituição responsáveis pela defesa das liberdades e estabilidade do regime democrático.
Lamentável que um partido político que tem a responsabilidade de governar o país e o Estado do Pará interprete a decisão do Tribunal paraense como uma “tentativa de golpe contra o Estado, contra a democracia e o povo do Pará.” Declarações como esta, além de manifesta e dispensável exploração política de uma questão institucional grave, desconhecem conceitos elementares exigidos pelo convívio sob uma ordem constitucional.
A obediência às regras do jogo que no Estado Democrático de Direito são definidas pela Constituição é o pressuposto para a coexistência em sociedade, a garantia da liberdade de todos e o fundamento para o próprio exercício do poder político. Sem o direito, reinaria a barbárie e o poder do mais forte, como o exercido por aqueles que armados invadem e destroem propriedades de terceiros.
O povo do Pará não apóia violentas invasões de propriedades privadas e nem movimentos que agem fora da legalidade. O povo do Pará deseja emprego, renda, qualidade de vida, saúde, educação, enfim, desenvolvimento e crescimento econômico, metas impossíveis de serem alcançadas sem a segurança jurídica que deve ser garantida pelos poderes constituídos do Estado, e quando o Poder Executivo falha no cumprimento desta missão, natural e indispensável que o Poder Judiciário, último bastião das liberdades, atue na defesa da Constituição.
Lamentável também que setores da classe política, confundindo o cumprimento da Constituição com o perfil das partes envolvidas na lide, tentem justificar o descaso com ordens judiciais com argumentos apoiados em supostas fraudes nos títulos de domínio das propriedades invadidas. Mais uma vez o caminho está no direito e não na desordem e na violência. Se tais irregularidades existem, cabe ao Governo do Pará atuar firmemente no sentido de obter o seu reconhecimento pelos mecanismos judiciais próprios dentro do devido processo legal.
Muito dificilmente o Supremo Tribunal Federal referendará a decisão do Tribunal do Pará e mais improvável ainda será a concretização da intervenção pelo Presidente da República.
No entanto, a decisão tomada pelo Tribunal de Justiça parece representar um divisor de águas no sentido de que o Poder Judiciário não mais tolerará o desatendimento de suas ordens e o desprezo aos comandos constitucionais mais fundamentais como a garantia da propriedade privada que atende a sua função social.
A indesejada decisão judicial de intervenção no Pará expõe à luz do sol o maior problema vivido pelo Estado: a completa e comprovada incapacidade do Poder Público estadual executar o conjunto de políticas públicas e ações que dele são exigidas em um Estado marcado pelo gigantismo territorial, desigualdade social e riqueza natural. Neste processo de debilidade estatal infelizmente a maior vítima é o próprio povo do Pará.
(*) Livre Docente em Legislação Tributária e Doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo/SP
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