domingo, 31 de julho de 2011

A censura se eterniza

Opinião do Estadão

Uma questão de princípio e uma anomalia institucional aparentemente insanável mantêm este jornal sob censura há dois anos. Em 31 de julho de 2009, o Estado foi proibido de publicar notícias baseadas nas investigações da Polícia Federal sobre denúncias de ilícitos praticados pelo empresário maranhense Fernando Sarney, o filho do ex-presidente da República José Sarney, que toca os negócios do clã. As apurações da operação chamada Boi Barrica levaram ao indiciamento do empresário por lavagem de dinheiro, tráfico de influência, formação de quadrilha e falsidade ideológica. A decisão de amordaçar o jornal foi tomada, a pedido do investigado, pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF). Ex-consultor do Senado, ele é amigo do presidente da Casa, José Sarney.

Em 18 de dezembro de 2009, o primogênito do senador desistiu da ação. Se o Estado concordasse, ela seria arquivada. Mas isso não impediria o empresário de voltar à carga, com outro pedido idêntico de censura, se o jornal publicasse novas reportagens sobre o inquérito, o que fatalmente faria, quanto mais não fosse, com o material de que já dispunha. Havia ainda outro fator, mais importante, para a recusa: a questão de princípio mencionada na abertura deste editorial. Tratava-se - e continua a se tratar - do imperativo de obter da Justiça um pronunciamento definitivo sobre a aberração da censura prévia, que viola a Constituição, ao atentar contra a liberdade de imprensa e o direito à informação no País.

No seu artigo 220 a Carta sustenta que "a manifestação do pensamento (consagrada no artigo 5.º), a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição" e proíbe "toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". A evidente intenção dos constituintes, passados apenas três anos do fim da ditadura militar de 1964, era erguer as mais sólidas barreiras possíveis contra iniciativas liberticidas da parte dos poderosos de turno. Aos redatores da Carta decerto não ocorreu que servidores públicos togados da ordem democrática brasileira poderiam, eles próprios, travar o livre curso da informação de interesse público.

Era clamoroso o interesse público, no caso de uma gravação da Polícia Federal, autorizada pela Justiça e reproduzida por este jornal, em que o senador e Fernando Sarney acertam a nomeação do namorado da filha dele para um cargo no Senado. À época, por sinal, o Estado revelou a nomeação de apaniguados na Casa mediante mais de 300 atos secretos. O escândalo derrubou o seu diretor-geral Agaciel Maia, apadrinhado de Sarney e, como ele, pessoa das relações do desembargador Dácio Vieira - cuja imparcialidade não viria a ser reconhecida por seus próprios pares. O juiz entendeu, como pleiteava Fernando, que a divulgação de elementos de um processo protegido pelo segredo de justiça violava a privacidade e manchava a reputação do acusado, protegidas pela Constituição. Mas não é assim.

Em primeiro lugar, o direito à informação prevalece sobre o direito à privacidade. Este preserva a vida particular dos cidadãos, mas não os atos eventualmente praticados em prejuízo dos cofres públicos. Esses, a sociedade tem o inviolável direito de conhecer. A imprensa, de mais a mais, não pode ser responsabilizada por quebra de sigilos de justiça. Se os "donos" dos segredos os repassam a jornalistas, eles podem - ou melhor, devem - compartilhá-los com o público. Se a informação se revelar falsa, o órgão de comunicação responderá por isso. O que é inadmissível é o amordaçamento. "Não há no Brasil", diz o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, "norma ou lei que chancele poder de censura à magistratura".

E há a lentidão da Justiça - a mencionada anomalia institucional. Há 14 meses, para se ter ideia, se espera que um ministro do Superior Tribunal de Justiça decida qual o foro adequado para o processo contra o Estado: a Justiça do Maranhão ou instância equivalente no Distrito Federal. E a Constituição é aviltada a cada edição deste jornal sem notícias sobre o que levou o filho do presidente do Senado a se tornar um caso de polícia.



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