domingo, 24 de julho de 2011

O insuportável Harry Potter

Blog do Inácio Araújo (*)

A revista francesa Les Inrockuptibles não está entre aqueles que fazem do último filme de “Harry Potter” um sucesso.

Em sua carta de 20/7, Thomas Pietrois-Chabassier expõe suas razões.

Mesmo para os fãs do jovem aprendiz de feiticeiro me parece que será interessante conhecer o seu inverso

Eu fiz a tradução, ali, em cima da perna, mas acho que o total está fiel ao sentido:

“Personagem inodoro, incolor e sem gosto, Harry Potter é um adolescente sem grande interesse, um rapaz intelectualmente banal em um universo extraordinário. Seus únicos traços de caráter são qualidades de idiota: bravura e suscetibilidade (só não fica nervoso quando fala de seus pais). Suas forças são inatas e tudo o que ele adquire deve a seus protetores (amigos, professores). O que o torna excepcional (sua vitória sobre Valdemort, quando bebê, sua cicatriz, seu lado “eu sou o eleito”) ele deve apenas a sua mãe. E é aí que se situa toda a questão da criatura de J.K. Rowling.

Em cada filme (bem/muito fiel aos livros), os personagens que ele encontra pela primeira vez têm sempre a mesma frase: “Então você é Harry Potter. Você parece com seu pai. Só os olhos que não, os olhos são da sua mãe.”

Mas Harry Potter não tem apenas os olhos de sua mãe. Ele é os olhos de sua mãe. Ele é um ponto de vista neutro, uma porta de entrada nesse mundo fabuloso, uma verdadeira câmera viva, levando, como, prova, essa capa de invisibilidade que ele leva todo o tempo ou esses óculos redondos que se tornaram o símbolo do personagem, tornando-se um par de olhos e lhe oferecendo o ponto de vista onisciente do narrador.

Obra maternal, a saga Harry Potter é sobretudo maternalista, vampirisando a figura do filho até em seus pesadelos para não fazer dele senão um garotinho sabido, respeitador das regras (quando ele é subversivo é porque tem autorização do diretor), bom aluno, bom em esportes, zeloso da memória de sua mãe e virgem (seu coração bate por uma garota tão enfadonha quanto ele, que ele beija só no final do último episódio, com 18 anos, e com quem se casará) e a quem as peripécias surgem ao acaso para transformá-lo em herói, em líder apesar dele.

Harry Potter é o filho de plástico sonhado por J.K. Rowling, o filho sem paixão nem falhas, seu orgulho, o anti-punk, o bom filhinho de mamãe. É por isso que nós nunca gostaremos dele.”

Thomas Pietrois-Chabassier

(*) Crítico de cinema para Folha de São Paulo

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