domingo, 31 de julho de 2011

“Sugestões” paternas

Antenor Pereira Giovannini (*)

Normalmente os filhos não seguem muito os conselhos dos pais, principalmente quando o assunto diz respeito a que profissão seguir. Eu não fugi à regra. Meu querido papai Leontino, que já nos deixou de há muito, apesar de não ser nenhum sábio, vira e mexe dava “conselhos” durante a minha adolescência e juventude, para que seguisse determinadas profissões. Arredio, pouca ou quase nenhuma atenção eu dava. “Vai ser dono de cartório” ele me dizia. “Afinal nem cheques ele recebem e não fazem crediário, é tudo 100% em dinheiro, à vista”. Nem fui atrás de saber como se faz para ser dono de cartório. “Vai ser cantor de pagode/música sertaneja” era outra “sugestão”. “Eles mal abrem a boca, cantam qualquer La-ri-lá e enchem o bolso de dinheiro”. Tendo voz de taquara rachada, desafinada ao extremo, nem mesmo tentei fazer algum teste. Outra “sugestão”: “Vai ser jogador de futebol. Você gosta. Basta dar umas gingadas e fazer uns gols e a imprensa já lhe chama de craque e você está feito. Quem sabe não vai para o Exterior”. Os dois joelhos arrebentados por jogos na várzea, a idéia também não vingou. “Abra uma igreja e vá ser pastor. Isento de impostos, não precisa declarar as doações, e apenas terá que fazer cara de santo. Quem sabe você pode ter até uma Televisão”. Tendo outros preceitos e crenças, nem ouvia tal sandice.

Por último, uma das “sugestões” que certamente mais me “arrependo” de não ter procurado seguir: ser político. “Vai ser político.” dizia o velho Leontino com sorriso no canto da boca, e talvez fosse uma das “sugestões” que não poderíamos ter deixado passar. “Ganha muito, trabalha pouco, tem mordomias, pode dar as famosas “carteiradas” sem problemas, faz acordos que não precisam ser cumpridos e nunca é cobrado, pode mentir para seu eleitor sem medo de perder a “credibilidade”, pode mudar de partido como se muda de camisa e ninguém liga, dá emprego para um monte de amigos, faz pressões junto a conhecidos para que contratem algum simpatizante, não precisa ter caráter, pode desviar dinheiro público e sabe que nunca será punido. E, se, por acaso, é acusado de alguma coisa, pode usar o chavão de que se trata de intrigas políticas da oposição, nunca precisa admitir um erro ou algum desvio, pode sempre dizer que nada viu, nada ouviu e que não sabe de nada a respeito de qualquer acusação. Tem amigos na Imprensa e por isso está sempre em evidencia na mídia em geral, passa a mão na cabeça das crianças em épocas de eleição, visita bairros pobres e periféricos e faz cara de triste ao ouvir a história de um morador”.

Certamente meu querido e saudoso velho pai, onde você estiver deve estar rindo, porque suas “sugestões” sempre foram em tom de sarcasmo e gozação, principalmente essa última, a do político. E como foram sábios os teus ensinamentos, assim como os da mamãe, dos avós e tios. Foram eles que me deram a compreensão e certeza de que, para ser político em nosso País, principalmente nos dias de hoje, antes de tudo é preciso perder o caráter, a identidade. Sim, porque a partir do momento que os valores éticos, morais, a decência em uma linha de conduta, de bom senso, de equilíbrio, de discernimento entre o bem e o mal, são deixados de lado, há que se convir que o caráter já tenha sido jogado na lata do lixo. Até mesmo um eventual político sério, a partir do momento em que não se revolta contra as arbitrariedades e devassidão cometidas por esse País afora e nada faz, limitando-se a se acomodar dentro de sua omissão, covardia, inoperância, incompetência, inevitavelmente se torna tão podre quanto aqueles que as cometem.

Trabalhei profissionalmente por 40 anos e quase todo esse tempo numa mesma empresa. Estudei, alcei cargos dentro da empresa, tive equipes de trabalho sob minha responsabilidade e principalmente recebi um salário que entendia ser adequado à função. Como todo funcionário assalariado, é quase impossível se tornar um milionário. Todos os meus companheiros, assim como meus superiores, alguns com PHD, falando mais de duas ou três línguas, que exerceram funções de chefias até no exterior, podem ter uma vida mais tranqüila em razão de suas aposentadorias merecidamente obtidas, mas estão longe, muito longe de terem alcançado o patamar de serem hoje milionários.

Não é o que ocorre entre os políticos de forma geral, sejam de que nível forem.
O que se vê com enorme freqüência é o chamado crescimento patrimonial avassalador, obtido em poucos anos de “carreira”. Aí vem uma pergunta: será que eu, assim como meus antigos companheiros, amigos, fomos um bando de idiotas, incompetentes, que mesmo trabalhando em empresas sólidas, com remunerações acima da média, não chegamos a esse patamar de milionários que vemos pipocando na política nacional?.

Meu querido velho Leontino, talvez não tenha sido muito eficiente ter absorvido seus conceitos éticos, de lisura e principalmente de caráter. Mas, garanto que não lamento um só instante. Muito ao contrário, a riqueza que consegui com isso é inestimável. A consciência de ser feliz sem prejudicar ao próximo nos deixa a certeza que o caminho percorrido estava, está e estará sempre correto.

(*) Aposentado, agora comerciante e morador em Santarém (PA)

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