Aloísio de Toledo César (*) para O Estado de S.Paulo
É assustador verificar com o passar dos dias e das noites a nada tranquilizante capacidade de escolha de assessores pela presidente Dilma Rousseff. De início, quando era tão somente ministra do governo Lula e teve de se desincompatibilizar para disputar a Presidência da República, ela decidiu deixar em seu lugar uma senhora da qual o País guarda triste lembrança: a demitida ministra Erenice Guerra - e sua suspeitíssima família.
Essa senhora, conhecida por ser "escudeira" e "braço direito" de Dilma, montou no Palácio do Planalto uma central de lobby familiar-partidário que cobrava um "pedágio" de empresários interessados em fazer negócios com o governo. O próprio filho, que dias antes perambulava pela Esplanada dos Ministérios em cargos comissionados de pouca importância, tornou-se um próspero consultor de negócios, envolvendo, é claro, pessoas interessadas em transações com o governo federal.
Enfim, foi um horror. A nova ministra teve de ser afastada durante a campanha eleitoral, mas, dada a já conhecida incapacidade brasileira de exprimir indignação, o escândalo acabou relevado e nem teve influência marcante na disputa.
Da envolvida, contudo, era de esperar que tomasse mais cuidado nas escolhas, inclusive nas de pessoas que se encontram mais próximas dela, porque causam a impressão de ali estarem a serviço do ex-presidente, bem como de outros propósitos.
Foi o caso, por exemplo, do ex-ministro Antônio Palocci, de triste memória, que já saíra da prefeitura de Ribeirão Preto com uma avalanche de processos judiciais. Detinha uma biografia ruim, já havia sido afastado do Ministério de Lula com a imagem necrosada, mas, mesmo assim, acabou voltando aos braços de Dilma, como homem forte do seu governo, até que foi obrigado a sair pela porta dos fundos.
Quem não se lembra do ex-presidente Lula tentando defender Palocci e forçar sua permanência no cargo? Sempre que a gente dá uma cabeçada na vida, e isso acontece com praticamente todos, é importante aproveitar os ensinamentos daí advindos, como forma de evitar novos desacertos.
Mas, pelo jeito, essas lições de nada valeram à presidente Dilma: ao formar o seu Ministério, ela agiu sem critério que preservasse o interesse público e distribuiu cargos a pessoas que não mereceriam recebê-los. Por esse novo deslize acabou sofrendo solavancos, decorrentes de escândalos envolvendo avanço no dinheiro público.
É inacreditável que a presidente não tenha o cuidado de avaliar melhor as pessoas às quais entrega fatias do poder. É igualmente inacreditável que não se lembre de como ficaram comprometidos recentes protagonistas do mensalão e que a eles tenha entregue cargos de grande importância.
Essas transações, marcadas pela concessão de poder em troca de apoio político, fazem parte do dia a dia da democracia, mas devem efetivar-se com grandeza, com espírito público, jamais como se fosse uma simples operação mercantil.
O filósofo Sócrates, que tanto fustigava os poderes constituídos, costumava provocar os seus alunos - entre eles, Platão - com uma curiosa indagação: será preferível estar no poder ou ter os bolsos cheios de dinheiro? É evidente que a pergunta tinha o sentido de provocação filosófica, mas, nos dias de hoje, se bem observamos a República brasileira, seremos compelidos a concluir que boa parte dos governantes oscila entre as duas coisas, ou seja, quer o poder, mas quer também os bolsos cheios de dinheiro.
De início, salta aos olhos que a República, que deveria ser de todos, em verdade parece ser mais de alguns estrategicamente colocados em postos-chave, onde sobra dinheiro. O administrador público é guindado ao cargo para cuidar de uma coisa que não lhe pertence. Daí a necessidade de ser extremamente escrupuloso e, no mínimo, honesto.
Infelizmente, verifica-se que interesses individuais vêm prevalecendo sobre interesses públicos e a administração se processa em muitos casos como se os bens de todos pertencessem aos próprios administradores. Os exemplo de escândalos na Petrobrás e nos Ministérios, com demissões e episódios escabrosos que todo dia se renovam, propagam a fragilidade institucional.
Nada pior para conduzir um país ao descrédito do que a sucessão de escândalos, como no presente, principalmente quando não são acompanhados da necessária e desejável punição dos culpados.
Realmente, o que cada um de nós pode fazer contra essa repetição de escândalos? Neste momento, em que até a União Nacional dos Estudantes (UNE) se mostra obediente e submissa ao governo federal, a troco de dinheiro, não se pode esperar nem mesmo aquele entusiasmo que levava o Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a infernizar o sossego dos governantes.
Jornais estrangeiros têm comentado com perplexidade a apatia brasileira diante dos escândalos, pondo em dúvida a nossa capacidade de indignação. Cada vez que alguém deixa de exercer o direito de berrar, de espernear, de mostrar o seu inconformismo contra esses escândalos, tal conduta equivale a ignorar, a desprezar a existência desse direito.
O mais desanimador é que o sofrível nível cultural médio da população brasileira engole esses escândalos como se fossem coisas corriqueiras na vida de um país democrático, quando, em verdade, representam antes a negação da democracia. O resultado das urnas, infelizmente, mostra que o que influi da hora de votar, predominantemente, é o dinheiro fartamente distribuído pelos que estão à cata de votos. Bolsa-Escola, Bolsa-Família têm esse lado trágico.
(*) Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Jornalista e Adovogado
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