segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Ciro, outro "irrevogável"?


O verdadeiro alvo de toda a intensa movimentação de Lula a favor de Dilma não são José Serra, mesmo estando disparado na frente das pesquisas, nem Aécio Neves, que continua à espreita e recolhendo simpatias na oposição. O grande adversário do projeto Lula neste momento, a ser batido já, é outro: Ciro Gomes, que permanece insistentemente à frente de Dilma em praticamente todos os cenários, apesar do obstinado empenho governista a favor de sua candidata.

A oposição pode muito bem esperar. Ficar para depois, em 2010, e até lá vai se derrotando sozinha, com Serra e Aécio dividindo energias e votos internos, e com o PSDB e o DEM se estranhando em praça pública.

O problema imediato é controlar Ciro e esvaziar seu potencial eleitoral. Lula tem suas armas, e sabe muito bem como e em que momento usá-las. Uma delas é pessoal, o p oder de convencimento (se necessário, constrangimento). A outra é política, o poder real que a Presidência e sua forte popularidade lhe conferem.

Essas duas armas estão apontadas diretamente para o peito do candidato do PSB. Lula repete com Ciro a tática que usou quando Aloizio Mercadante disse que sua saída da liderança do PT do Senado era "irrevogável", pois não suportava toda aquela lambança para salvar o pescoço de José Sarney. Bastou uma conversinha amiga com Lula no Planalto para o irrevogável ser rapidamente revogado. Mercadante voltou para o Senado e para a órbita de Sarney carregando para o resto da vida o vexame do recuo.

Com Ciro, mais explosivo, menos previsível, com menor dever de lealdade, não bastava uma conversinha amiga no Planalto, depois que ele colocou sua candidatura na rua. Daí por que Lula botou Ciro debaixo de um braço e Dilma debaixo do outro e saiu por aí num passeio de três dias pelas margens do São Francisco, com direito a beijinhos, juras de amor e fotos, muitas fotos. Ciro voltou a Brasília, no mínimo, sob constrangimento.

A outra arma de Lula virou metralhadora giratória e não deixa de pé um só partido disponível para se coligar com o PSB e assim dar impulso e tempo de TV para uma eventual candidatura Ciro. Já caíram a cúpula do PMDB, o PR, o PP, o PRB e, na outra ponta, o PC do B, enquanto Lula vai mirando também o PDT. Sobra o PTB, que tende a marchar com a oposição (PSDB-DEM-PPS) e a se dividir no meio do caminho.

E Ciro? Ele disse à Folha que só vai procurar Lula para uma conversa definitiva no ano que vem. "Se houver a decisão de uma candidatura nossa, aí estaremos liberados para procurar aliados", disse. Seu risco vai ser olhar em volta e não encontrar nadica de nada. Que "aliados"?

A não ser que a candidatura Dilma naufrague, e os aliados pulem ao mar e ao alcance de sua rede, o risco de Ciro é f icar simplesmente a ver navios.

Com uma dificuldade a mais: sem alternativa. Ao contrário de Serra, que sempre pode disputar a reeleição em São Paulo, e de Aécio, que tem mais de uma opção, Ciro não tem para onde correr: se não for candidato a presidente, vai mesmo concorrer ao governo de São Paulo? Isso é o pior dos mundos: depois de engolido por Lula e Dilma no plano nacional estará prontinho para ser devorado pelo PT no estadual.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997

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