segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O shopping "embargado" e a cultura do desrespeito

Ítalo Melo de Farias (*) 

Fiquei preocupado com as mensagens de desaprovação publicadas nas redes sociais em relação à decisão da Justiça Estadual de Santarém de paralisar as obras de construção do novo Shopping Center da cidade. 

O ponto de discordância que levanto em relação às opiniões emitidas por alguns cidadãos santarenos,entre eles pessoas públicas, está na defesa de que as decisões da Justiça em favor do Ministério Público estão a inviabilizar a chegada do progresso. 

No seu ponto de vista foi destacado o resultado, os empregos que serão criados, o status que cidade irá adquirir como sede de empreendimentos desse porte. 

Assim, para a maioria das pessoas as autoridades só estão a dificultar a implantação do shopping quando exigem atenção à legislação ambiental. 

O caso é semelhante ao que ocorreu com a liberação de loteamentos, como o “Jardim Cidade” realizado pela empresa BURITI imóveis, que foi autorizado em flagrante desrespeito à legislação estadual. 

Ao mesmo tempo em que penso ser compreensível essa aparente revolta das massas com as exigências do Poder Público, especialmente em uma região como nossa, que em sua longa história de mais de 351 anos sempre vivenciou problemas de abandono e descaso, em razão da distância dos centros de poder político e econômico e do pouco caso que as elites locais sempre tiveram com o bem-estar da comunidade, preocupa-me a maneira como a opinião pública trata a necessidade de compromisso com o cumprimento das regras e do Direito. Infelizmente, a constatação desse problema não é uma exclusividade santarena, porém reflexo da sociedade brasileira em que não apenas políticos e pessoas públicas podem ser acusados de irresponsabilidade, desobediência a regras e corrupção. 

Na verdade, o compromisso com a ética e a moralidade constitui exceção em nosso cotidiano nacional, onde se teima em propalar o orgulho pelo “jeitinho”. 
A figura do “malandro brasileiro” tornou-se marca da identidade nacional, exaltado como alguém que não cumpre deveres e obrigações e que ao final consegue obter vantagens e benefícios. 

Desse modo, prevalece no senso comum o culto a irresponsabilidade e a impunidade. 
Para a maioria dos brasileiros, cumprir as regras e suportar encargos constitui preocupações cabíveis apenas para “trouxas” e “ingênuos”. 

Algumas vezes o problema se materializa de maneira mais atroz como no das mortes ocorridas em Santa Maria/RS, graças ao descaso das autoridades na fiscalização do cumprimento de normas de segurança na “boate Kiss”. 
Apesar de possuir autorização para funcionar, os especialistas são unânimes em afirmar que o local desatendia as exigências da legislação estadual, inclusive, descobriu-se que nem mesmo o projeto arquitetônico foi obedecido. De fato, mais uma vez optou-se pelo “remendo”, pela “gambiarra”, ao se utilizar material mais barato, burlando-se as regras a partir da nossa tão exaltada “criatividade”. O resultado todos sabemos... 

A questão do cumprimento das regras possui uma importância muito grande no aspecto cultural de nossa sociedade e mesmo naquelas situações em que o resultado seja desejável, como na criação de empregos, a utilidade não pode ser colocada a frente da Justiça e do Direito, pois para o infrator o descumprimento das regras pode representar uma odiosa vantagem. 

É necessário demonstrar as futuras gerações que a ética a moralidade são dimensões indissociáveis da vida pública e da cidadania, sem as quais fica impossível vivenciar um Estado de Justiça. 

 (*) Advogado, Vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção de Santarém, Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Santarém CEULS/ULBRA, Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Portugal.

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