sábado, 23 de fevereiro de 2013

Precisamos falar sobre Kevin

André Barcinski (*) 

Falou-se muito, nos últimos dias, sobre a punição da Conmebol ao Corinthians. Falou-se mais sobre isso, inclusive, do que sobre Kevin Espada, o menino de 14 anos que morreu no estádio em Oruro, atingido no rosto por um sinalizador disparado da torcida do Corinthians. Proponho uma reflexão. Imagine que os papéis fossem invertidos: uma torcida organizada de um time da Bolívia veio apoiar seu time em algum estádio brasileiro – não importa se o Pacaembu, o Engenhão, o Mineirão, qualquer um. 

No meio do jogo, integrantes dessa organizada boliviana soltam um sinalizador, que atinge e mata um menino brasileiro de 14 anos. 

Como os brasileiros reagiriam? 

Em primeiro lugar, gostaríamos de ver todos os responsáveis presos, claro. E não só o que disparou o sinalizador, mas também os que levaram os artefatos para o estádio. 
Depois disso, tenho certeza que todos gostariam de saber como esse sinalizador entrou no estádio. Quem o comprou? Quem pagou por ele? Como ele foi trazido da Bolívia para o Brasil? Como entrou no estádio? Havia outros sinalizadores iguais com a torcida? 

Finalmente, seria preciso descobrir se existe relação entre o clube boliviano e esse torcedor. Quem pagou a viagem do torcedor até o Brasil? O clube banca os ingressos desse torcedor? Os dirigentes do clube conhecem e apóiam esse torcedor? 

Se ficar comprovada a relação entre o clube e o torcedor, o clube também precisa ser responsabilizado. 

O que não pode ocorrer é o festival de demagogia que estamos vendo: de um lado, torcedores rivais culpando os corintianos, como se todos os corintianos – e só eles – fossem criminosos. Um nojo. 
Do outro, dirigentes e boa parte da mídia esportiva, tentando imputar o crime a uma pessoa só, como se fosse um caso isolado, e fazendo de tudo para inocentar o clube. Isso é imoral. 

Vamos deixar uma coisa bem clara: não falo só do Corinthians, mas de TODOS os clubes brasileiros que têm relações promíscuas com as organizadas: eles precisam, de uma vez, cortar qualquer ligação com as torcidas. 

Os torcedores de verdade – não os profissionais da arquibancada – deveriam exigir que seus clubes rompessem imediatamente com essas facções. 

Além disso, os clubes tinham a obrigação moral de responder a algumas perguntas: eles dão ingressos para as organizadas? Dão dinheiro? Existem membros de organizadas trabalhando nos clubes? Quantos torcedores profissionais são sustentados pelo clube? 

Sobre a punição ao Corinthians, achei justa. Infelizmente, nossos dirigentes têm os bolsos mais sensíveis que as consciências.
Espero que, além de presos os responsáveis pelo sinalizador, se apurem as responsabilidade de dirigentes e do próprio clube também, para que todos os clubes – TODOS – aprendam que apoiar organizadas pode ser bom negócio a curto prazo, mas tem seu preço no fim. 

E enquanto alguns reclamam de não poder ver seu time no estádio e outros marcam protestos contra a Conmebol, a família de Kevin Espada enterra o menino. 

(*) Crítico da Folha de São Paulo
 

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