Zuenir Ventura (*)
A revista “Visão”, de Portugal, fez uma enquete junto a personalidades da cultura e da política portuguesas para especular sobre o que Jesus diria se aqui voltasse. Com bom humor cristão, o romancista António Lobo Antunes desqualificou o trabalho: “Como voltar, se de cá ele nunca saiu?”
Mas digamos que Ele tenha dado uma saidinha e que viria não ainda para julgar os vivos e os mortos, mas numa visita rápida para ver como estão as coisas. Não se trata de um exercício de adivinhação, e sim de hipóteses com base nos textos bíblicos, o que nos permite entrar no jogo também fazendo nossas simulações.
Por exemplo, Cristo com certeza ficaria feliz de constatar que, em tempos de Twitter, nenhum líder tem tantos seguidores quanto Ele: de 2 a 3 bilhões. Por outro lado, em termos de qualidade, não ia ficar nada satisfeito com o que veria à direita e à esquerda, fora e dentro da igreja. A primeira decepção seria constatar que a sua pregação de paz e amor foi substituída pela violência urbana e pelas guerras praticadas em nome do Pai.
E o que Ele diria da crise atual — econômica, financeira e moral — e da má distribuição da riqueza, contra a qual tanto pregou? Certamente se indignaria ao saber que o número de pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia nos 49 países mais pobres do mundo duplicou nos últimos 30 anos, chegando a 307 milhões.
E que, enquanto isso, as dez mais ricas têm mais dinheiro do que Suécia, Finlândia e cada um de outros 150 países. A concentração pode ter sido consequência de Sua parábola: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus.” Vai ver que, diante da anunciada dificuldade de entrar lá em cima, os ricos tenham preferido permanecer aqui no Reino da Terra, que é para eles um paraíso.
O maior desgosto do nosso Salvador, porém, seria descobrir o risco de descer conclamando inocentemente — “Deixai vir a mim as criancinhas” — e ser mal interpretado, tendo em vista a onda de escândalos de pedofilia que atinge o clero.
Imagina se a Sua chegada coincidisse com a divulgação esta semana do dossiê de 300 páginas elaborado a pedido do Papa por três cardeais e que é uma espécie de radiografia do Vaticano — uma antologia de escabrosos casos de corrupção, promiscuidade, desvio de dinheiro, escândalos sexuais, rede de prostituição homossexual. Chocado, Bento XVI teria desabafado afirmando que o seu sucessor deverá ser bastante “forte, santo e jovem para enfrentar o que o espera”.
Tomara que Jesus interfira na escolha, em vez de, desiludido, repetir a velha piada: “Pare o mundo que quero descer.”
(*) Jornalistra e escritor
A revista “Visão”, de Portugal, fez uma enquete junto a personalidades da cultura e da política portuguesas para especular sobre o que Jesus diria se aqui voltasse. Com bom humor cristão, o romancista António Lobo Antunes desqualificou o trabalho: “Como voltar, se de cá ele nunca saiu?”
Mas digamos que Ele tenha dado uma saidinha e que viria não ainda para julgar os vivos e os mortos, mas numa visita rápida para ver como estão as coisas. Não se trata de um exercício de adivinhação, e sim de hipóteses com base nos textos bíblicos, o que nos permite entrar no jogo também fazendo nossas simulações.
Por exemplo, Cristo com certeza ficaria feliz de constatar que, em tempos de Twitter, nenhum líder tem tantos seguidores quanto Ele: de 2 a 3 bilhões. Por outro lado, em termos de qualidade, não ia ficar nada satisfeito com o que veria à direita e à esquerda, fora e dentro da igreja. A primeira decepção seria constatar que a sua pregação de paz e amor foi substituída pela violência urbana e pelas guerras praticadas em nome do Pai.
E o que Ele diria da crise atual — econômica, financeira e moral — e da má distribuição da riqueza, contra a qual tanto pregou? Certamente se indignaria ao saber que o número de pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia nos 49 países mais pobres do mundo duplicou nos últimos 30 anos, chegando a 307 milhões.
E que, enquanto isso, as dez mais ricas têm mais dinheiro do que Suécia, Finlândia e cada um de outros 150 países. A concentração pode ter sido consequência de Sua parábola: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus.” Vai ver que, diante da anunciada dificuldade de entrar lá em cima, os ricos tenham preferido permanecer aqui no Reino da Terra, que é para eles um paraíso.
O maior desgosto do nosso Salvador, porém, seria descobrir o risco de descer conclamando inocentemente — “Deixai vir a mim as criancinhas” — e ser mal interpretado, tendo em vista a onda de escândalos de pedofilia que atinge o clero.
Imagina se a Sua chegada coincidisse com a divulgação esta semana do dossiê de 300 páginas elaborado a pedido do Papa por três cardeais e que é uma espécie de radiografia do Vaticano — uma antologia de escabrosos casos de corrupção, promiscuidade, desvio de dinheiro, escândalos sexuais, rede de prostituição homossexual. Chocado, Bento XVI teria desabafado afirmando que o seu sucessor deverá ser bastante “forte, santo e jovem para enfrentar o que o espera”.
Tomara que Jesus interfira na escolha, em vez de, desiludido, repetir a velha piada: “Pare o mundo que quero descer.”
(*) Jornalistra e escritor
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