segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

À mesmice também se ama

 Bellini Tavares de Lima Neto (*) 

O que poderia ser mais narcisista que um sujeito, no dia do seu aniversário, ligar para a própria mãe para cumprimentá-la pelo feito? Pois eu quase fiz isso. É que, quando abri a minha caixa no “feicibuque” , encontrei tantas mensagens de tantos amigos e parentes queridos que comecei a ficar “cheio de si”. Mas, não foi só. Também recebi telefonemas e e-mails de outra porção de amigos e parentes também queridos, a ponto de ficar ainda mais “cheio de si”. 

Eu sou um daqueles sujeitos que faz sua fezinha na loteria toda semana. Não custa nada. Alias, custa, sim, um dinheirinho, mas não é nenhuma fortuna e o ritual de ir até a casa lotérica dá uma certa emoção. Ainda mais quando acontecem situações adversas como encontrar o lugar cheio de gente ou jogar meio em cima da hora. Aí, as coisas começam a conspirar como se fosse uma espécie de prenúncio de que, desta vez vai. Então, chega a noite, eu confiro tudo e vejo que ficou para a semana seguinte. Mas, desde que o mundo é mundo, a véspera é sempre melhor que o dia. É só ver a delicia que é o dia 24 de dezembro e as semanas que antecedem. 

Continuo insistindo com as loterias mesmo sem ter tido, até hoje, maiores sinais de que o meu dia está por perto. Mas isso não me aborrece nem um pouco. 
Assim como não me incomoda nada não ter o automóvel do ano nem ser o proprietário de uma cobertura na Vieira Souto. 
Não que isso não fosse muito bom, mas dá para viver sem essas delicias. Afinal, hoje eu vivo até sem chocolate, ao menos na quantidade que gostaria. E quem sente a compulsão por chocolate de que eu sou dotado, sabe com precisão qual é essa quantidade e qual é o limite. Por mais incrível que possa parecer, é possível não devorar uma caixa inteira de Bis (essa é a medida mínima que um chocólatra que se preza utiliza diante de tal iguaria) sem que isso cause uma crise de abstinência. Não dá, é claro, para evitar a sensação de vazio, de se estar só em pleno universo, cercado pela escuridão do nada, que se apodera do abstinente, mas sobrevive-se. 

Deficiências por deficiências, eu nem me atrevo a começar uma lista, pois, se fosse para colocar no papel, os ambientalistas mais ferrenhos dariam um jeito de me sacrificar antes que eu começasse a devastação das matas em busca de árvores. Algumas delas, no entanto, são tão flagrantes que nem consigo esconder. 
Ver gente safada assumindo o poder e rindo em cerimônia de posse, cercado de outra gente não menos safada que já andou pelos mais variados lados ditos ideológicos, é de dar comichão e uma vontade quase incontrolável de se enfiar num buraco na terra feito tartaruga para só voltar no dia em que melhorasse o mau cheiro. 
Ainda não aprendi totalmente a conviver com isso, embora deva reconhecer que, com o passar do tempo e a repetição da experiência, os enjôos tem diminuído de intensidade. Pena porque tem gente que tira isso tudo de letra e nem se altera. 

Fraqueza minha, sem dúvida. Assim como é uma tremenda fraqueza que eu me incomode tanto com malcriação. 
Diante de uma malcriação eu viro um zagueiro que acabou de levar um drible dentro da área ou, pior ainda, um goleiro que leva um frango desses que a bola passa, maldosa, pelo vão das pernas e vai, bem mansinha para o fundo do gol, soltando penas e cacarejando.
Só falta parar em cima da linha e botar um ovo. Com tanto tempo de estrada, não aprendi a lidar com isso até hoje. Tem gente que lida com isso com uma facilidade de me dar inveja. 

Como se pode notar, eu sou um verdadeiro expoente da comuníce, uma unanimidade da anonimidade. 
E. então, onde é que entra o cúmulo do narcisismo do sujeito que, no dia do aniversário, liga para a mãe e lhe dá os parabéns pela obra realizada naquele dia? 
Pois é, eu posso não ganhar na loteria, nunca ter tido uma Mercedez Benz ou uma casa em Coconut Grove nem estar em condições de devorar uma Kopenhagen inteira. 
Eu posso não ter o sangue frio dos grandes agentes transformadores do mundo para me situar diante das ignomínias públicas ou privadas nem ter a bravura de um herói de cinema que rebate de pronto qualquer desaforo seja com palavras arrasadoras, seja com gestos incontestáveis e irrevidáveis. 

Enfim, eu posso e realmente sou o mais comum dos anônimos. 
Mas, seja lá pelas mais imponderáveis razões vindas do universo indecifrável e incompreensível, chega o dia dos meus anos e eu sou alvo do carinho de uma quase multidão de generosos que me cobrem de agrados com palavras e lembranças.
Até o meu príncipe encantado de menos de 3 anos me liga para pedir: “Vovô, liga no skype”. Ai, não houve outro jeito. 
Eu tive de ligar para minha mãe e cumprimenta-la por ter colocado nestas bandas o sujeito de mais sorte que estas e outras bandas já conheceram. 

Mamãe, obrigado. Amigos, obrigado. Eu já acertei na sorte grande. 

(*) Advogado, avô, corintiano e morador em São Bernardo do Campo (SP)
 

Um comentário:

  1. Bellini peca pela humildade. Um pecado, é claro, mais do que perdoável. Quem tem o privilégio de partilhar sua amizade, e são muitos, não o vê como o mais comum dos anônimos. O vê sim como uma referência. Não saber como lidar com a corrupção e com os corruptos, como ele atesta em seu irrepreenssível texto, pode ser sim uma confissão de fraqueza. Uma fraqueza comum a milhões de cidadãos que vivem neste país e se sentem impotentes diante de tal quadro. Como mudar essa situação tão flagrante do país? Essa situação de dominação, onde o dominado é o honesto e o dominante é o corrupto? Bellini, que confessa sentir o mau cheiro de tudo isso, parece que não tem uma resposta firme. Eu, leitor de seu texto, sinto a mesma impotência e também não tenho resposta. Pelo menos uma resposta fácil de ser colocada em prática. E milhões de cidadãos, também afetados e preocupados, igualmente não tem a resposta. Estamos frágeis. Obrigado pelo texto, Bellini. (Gentil Gimenez, brasileiro e contribuinte de impostos)

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