Opinião do Estadão
Renan Calheiros é presidente do Senado Federal. A Casa está de joelhos. Cinquenta e seis senadores renderam-se aos interesses subalternos do caciquismo político que transformou o Congresso Nacional no mais desprestigiado poder da República. Cumpriu-se, de resto, mais uma etapa importante da consolidação do projeto de poder do lulopetismo. Mais uma vez, os detentores da hegemonia política no plano federal demonstraram sua habilidade em usar a mão do gato para atingir seus objetivos. Para completar a destruição da credibilidade do Parlamento, só falta agora consumar-se a eleição do notório deputado Henrique Alves como presidente da Câmara dos Deputados.
Para os brasileiros que acompanharam pela televisão as sessões plenárias do julgamento do processo do mensalão pelo STF, a transmissão ao vivo da eleição de Renan Calheiros e da melancólica despedida de José Sarney foi ilustrativa, didática mesmo, por escancarar a falta de cerimônia com que muitos dos nobres parlamentares se esmeram em usar as palavras para esconder o que pensam e dissimular suas verdadeiras intenções. Sob esse aspecto, o comportamento dos petistas foi memorável.
Foi necessária uma eleição porque havia, teoricamente, dois candidatos à presidência. Pedro Taques (PDT-MT) e o notório Renan Calheiros (PMDB-AL). Mas a ampla maioria da base de apoio ao governo, diligentemente construída ao longo de 10 anos, não permitia qualquer dúvida quanto ao resultado. O próprio Pedro Taques se apresentou como "anticandidato", em discurso deliberadamente elaborado para denunciar a farsa que se encenava. Uma tentativa quase quixotesca, saudada com aplausos frouxos, rápidos e encabulados.
Pela tribuna desfilaram 20 senadores. Ironicamente, a maioria manifestou apoio a Taques. Os apoiadores de Calheiros nem se deram ao trabalho de gastar o verbo. Deixaram a missão para os líderes, como o novo comandante do PT na Casa, o piauiense Wellington Dias, que se desincumbiu do modo mais protocolar possível. Eduardo Suplicy (PT-SP), que não perde uma oportunidade de aparecer, não teve coragem de declarar que não aprovava a candidatura Renan e apelou para o recurso esperto de sair pela tangente com a proposta delirante da eleição de um terceiro nome "de consenso".
Os apoiadores da candidatura oficial insistiram no argumento de que o PMDB, como bancada majoritária, tinha o direito regimental de indicar o nome para a presidência. É verdade. Só não está escrito em lugar nenhum que o candidato teria que ter ficha suja, um comprometedor retrospecto de malfeitos exatamente no cargo para o qual estava sendo reconduzido depois de ter a ele renunciado para preservar o mandato de senador. Os opositores bateram insistentemente na tecla do "resgate da credibilidade" do Congresso. Certamente interpretam o sentimento da grande maioria dos brasileiros - que quer exatamente isso. Mas há muito tempo perderam, eles próprios, a capacidade de fazer oposição séria e consequente.
Nos 20 minutos em que, antes da votação, apresentou seu programa, Renan Calheiros repetiu várias vezes, sem corar, que só assumira a condição de candidato havia menos de 24 horas, depois da reunião realizada na noite anterior pela bancada do PMDB que oficializou sua indicação. Uma afirmação tão deslavadamente falsa quanto a crítica que fez, aos brados, dos homens públicos que atuam não em defesa dos interesses nacionais, mas de seus próprios interesses pessoais e de grupos.
O que é verdadeiro é o regozijo de Lula & Cia. com Calheiros na presidência do Senado. Trata-se de um exímio operador, habilitado como poucos ao toma lá dá cá que viabiliza o apoio do Congresso às matérias de interesse do Palácio do Planalto. Certamente isso terá um preço, que não será baixo. Mas Lula já ensinou e Dilma parece estar aprendendo que há sempre um preço a pagar.
Empossado no lugar de Sarney, Renan voltou a discursar, dessa vez para fazer promessas, que não mereceriam qualquer referência não fosse o fato de ter-se declarado o guardião da ética no Senado!
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