Célio Bermann (*)
Maior obra do PAC - Programa de Aceleração do Crescimento, a implantação da UHE Belo Monte vem sendo objeto de polêmica há mais de 25 anos, a partir dos Estudos de Inventário hidroelétrico do rio Xingu, elaborado a partir de 1975 pela empresa de consultoria CNEC (pertencente ao grupo da construtora Camargo Correa) e apresentado pela empresa Eletronorte em 1980.
O governo abandonou o projeto, após a manifestação das populações indígenas em fevereiro de 1989, em Altamira (Pará). Em julho de 2005 o projeto foi retomado, passando por uma aprovação expedita pelo Congresso Nacional, à revelia do que dispõe os páragrafos 3º e 5º do Artigo 231 da Constituição Federal, que impede a remoção das populações indígenas sem consulta prévia.
Na época, o Ministério Público Federal entrou com um pedido de anulação do decreto legislativo no 788/2005 que aprovava o projeto. O trâmite lento culminou com o acórdão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 13/08/2012, que determinou a paralisação das obras de construção da usina de Belo Monte.
Entretanto, em decisão monocrática do seu presidente, ministro Carlos Ayres Britto, dias depois o STF revogou a decisão do colegiado.
Nestas condições, as obras de construção da usina de Belo Monte prosseguem. Mas o problema mais grave é o seu superdimensionamento. A capacidade de 11,2 mil MW só estará disponível durante três meses do ano. Nos meses de setembro e outubro, quando o rio Xingu fica naturalmente mais seco, a capacidade instalada aproveitável da hidrelétrica não será maior do que 1.172 MW. Ou seja, nesse período 90% da usina ficará parada.
O fator de capacidade, de 39% ao longo do ano (ou 4.428 MW médios), é muito baixo em relação à média das hidrelétricas brasileiras, de 55%. Tal fator de capacidade condena o projeto porque a tarifa definida no leilão, de R$ 78/MWh, não vai remunerar o investimento necessário para a construção da usina.
Para compreender o jogo financeiro que envolve a construção desta mega obra, é necessário lembrar que o custo do projeto passou dos iniciais R$ 4,5 bilhões em 2005, quando o projeto foi retomado pelo Governo brasileiro, a R$ 19 bilhões, custo estabelecido por ocasião do leilão, realizado em abril de 2010.
Recentemente o valor do investimento foi submetido a uma revisão levando em conta a inflação, medida pelo IPCA, que definiu o montante total de R$ 28,9 bilhões, muito embora as empresas envolvidas com as obras de construção e as empresas fabricantes de equipamentos (turbinas e geradores) estimem um custo mínimo de R$ 30 bilhões, podendo chegar a R$ 32 bilhões.
O BNDES se dispôs a financiar 80% do custo total. Para que o Banco aprovasse essa participação, foi necessário que a Eletrobrás garantisse a compra de 20% da energia a ser produzida (a parte definida para o assim chamado “mercado livre”, constituído pelas grandes empresas consumidoras de energia elétrica) a um preço de R$ 130/MWh, cerca de 70% superior à tarifa definida no leilão, conforme indicou a matéria de Josette Goulart no jornal Valor Econômico, em 13/07/2012.
Se considerarmos que o preço médio histórico da energia adquirida pelas grandes empresas que compõem o mercado livre (o PLD-Preço de Liquidação das Diferenças, utilizado no Mercado de Curto Prazo), se situa na faixa de R$ 15 a R$ 20 por MWh, o prejuízo da Eletrobrás pode alcançar R$ 420 milhões por ano.
Mas não só isso. Vale recordar que em maio de 2011, o consórcio Norte Energia (NESA), vencedor do leilão, contratou o consórcio construtor Belo Monte (CCBM), sob a liderança da Andrade Gutierrez, com a participação da Camargo Correa e da Norberto Odebrecht, e outras 8 empresas de construção.
Em agosto de 2011, o CCBM conseguiu fechar com a Norte Energia um contrato para a execução de obras civis de R$ 13,8 bilhões.
Esse jogo pode ser facilmente explicado.
Esse é um valor que vai ser apropriado por este grupo de empresas em um curto espaço de tempo, uma vez que o cronograma das obras civis do projeto não é superior a cinco anos.
Daí se deduz que o objetivo da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte não se limita à geração de energia. Se trata de compensar as empresas que, não por mera coincidência, foram junto com os bancos, os principais contribuintes para o fundo de campanha da então candidata à Presidência da República Dilma Roussef, conforme matéria do repórter J. R. Toledo, publicada no jornal Estado de São Paulo, em 02/10/2010.
Apesar de todas essas evidências, um comunicado do BNDES em 26/11/2012 anunciou a concessão do crédito de R$ 22,5 bilhões para as obras. O comunicado veio acompanhado do costumeiro proselitismo, indicando preocupações de ordem social e ambiental, restritas a um mero exercício retórico de boas intenções, até hoje absolutamente ausentes.
A obra agora avança, sem investimentos para remediar as condições de vida dos próprios moradores da região, e que se tornou mais crítica com a vinda de outros milhares em busca de emprego. As más condições de trabalho nos canteiros já originaram duas greves. O aumento nos custos de alimentação e moradia está tornando um caos a vida na região.
Os erros do passado com respeito ao processo de construção de grandes hidrelétricas permanecem, e dada a dimensão desta obra, se multiplicam com maior amplitude. Continuar com a obra nessa situação dificilmente pode ser considerado como um exemplo de “responsabilidade”.
Quem vai pagar essa conta? Será o contribuinte brasileiro, seja através do Tesouro Nacional, ao qual o BNDES teve de recorrer, seja para custear as perdas da empresa Eletrobrás.
Assiste-se a um exercício de engenharia financeira para viabilizar a obra, com toda sorte de renúncia fiscal e isenções que trarão aumento desproporcional da dívida pública. E a isso se dá o nome de “desenvolvimento”.
(*) Professor Associado do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP
E-mail: cbermann@iee.usp.br
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