sexta-feira, 6 de abril de 2012

Outro texto sobre a megalomania palaciana

Dois anos antes da Copa, o governo já ganhou o troféu do atraso e da gastança


Júlia Rodrigues (*) 

“Estejam certos de que o Brasil, orgulhosamente, cumprirá o seu dever de casa”, comunicou ao mundo o presidente Lula em outubro de 2007, quando a Fifa anunciou oficialmente que o país seria a sede da Copa de 2014. Passados quatro anos e meio, sobram motivos para incluir a promessa solene na coleção de bravatas do criador do Brasil Maravilha. 

Um relatório apresentado no início do mês pelo Ministério Público identificou atrasos em 100% das obras de mobilidade urbana. Ou seja: nenhuma obedeceu aos prazos fixados pelos cronogramas originais. Da extensa lista de projetos que, segundo o governo, melhorariam o trânsito e eliminariam os gargalos no transporte público, pouca coisa saiu do papel ─ e nada foi concluído. Apenas 2,14% dos investimentos são visíveis a olho nu. 

Em Brasília, por exemplo, as obras na rodovia DF-047 e do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) estacionaram na licitação. Em Porto Alegre, os canteiros de obras começaram a movimentar-se na semana passada ─ 54 meses depois da promessa de Lula. Até o metrô paulistano, o maior e mais moderno do país, enfrenta problemas. Neste quarta-feira, entre uma pane e outra, o presidente da empresa que administra os trens subterrâneos deixou o cargo que começou a perder com o aparecimento das suspeitas de fraude na licitação da Linha 5-Lilás. 

“Posso decretar um feriado em São Paulo no dia do jogo e garantir que não tenha trânsito”, descobriu em novembro de 2011 a ministra do Planejamento, Miriam Belchior. Embora tenha subestimado o problema de mobilidade nas grandes cidades, o governo federal se recusa a assumir qualquer parcela de culpa pelos atrasos, que trata de transferir para os governos estaduais e municipais. 

O discurso do governo é desmentido por fatos e cifras. Dos R$ 119 milhões previstos no programa “Apoio à Realização da Copa do Mundo Fifa 2014″, por exemplo, o Ministério do Esporte desembolsou no ano passado apenas R$ 30 milhões. Segundo o site oficial da Copa de 2014, só cinco dos 12 estádios que compõem o roteiro dos jogos alcançaram 50% do cronograma. O quadro mais preocupante é desenhado pelo Beira-Rio, em Porto Alegre. Só 20% do estádio do Internacional foi reformado. 

Engenheiros especializados nesse tipo de obra afirmam que o atraso é proposital. Já serviu de pretexto para a aprovação pelo Congresso do Regime Diferenciado de Contratações, que dribla a legislação e abre brechas para a infiltração, nos contratos, de espertos aditivos que favorecem o superfaturamento. Empreiteiros premiados com encomendas para a Copa de 2014 e para a Olimpíada de 2016 ficaram muito felizes. Os pagadores de impostos ficaram com a conta. 

Em 2007, o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, garantiu que o governo não gastaria um único centavo em reformas ou construção de estádios. A falácia foi atropelada pela gastança com dinheiro público. O BNDES e os governos estaduais são responsáveis por R$ 4,8 bilhões dos R$ 7,8 bilhões enterrados em estádios. 

Desde o dia da posse de Dilma Rousseff, os R$ 5,3 bilhões orçados inicialmente subiram 47%. Um levantamento feito pelo deputado federal Chico Alencar, do PSOL fluminense, constatou que os R$ 2,5 bilhões do reajuste equivalem a 37% do que o governo da Alemanha investiu na Copa de 2006. Segundo Alencar, essa quantia é suficiente para bancar 806 mil bolsas para atletas olímpicos, ou 3.125 quadras poliesportivas ou, ainda, 2,9 mil creches das 6 mil creches que Dilma não conseguiu transferir do palanque para a vida real. 

Em cinco meses, de acordo com o Tribunal de Contas da União, o custo total da Copa do Mundo subiu de R$23,3 bilhões para R$ 25 bilhões. Até 2014, a bolada colossal pode chegar a R$ 33 bilhões, dois terços dos quais serão financiados pelos cofres oficiais. Boa parte da despesa exorbitante será engolida por elefantes brancos. Segundo o TCU, figuram nessa categoria os estádios de Natal, Manaus Cuiabá e Brasília, que praticamente não terão serventia depois da Copa. 

Nessa lista de problemas, nenhum tópico é mais preocupante que o sistema aeroportuário. Segundo a Fifa, 20% dos espectadores presentes ao estádio virão de outros pontos do país a bordo de aviões. Isso significa que os aeroportos terão de ampliar consideravelmente o volume de pousos e decolagens. No Maracanã, por exemplo, os terminais do Galeão e Santos Dumont deverão suportar 152 voos extras. Como os aeroportos já estão congestionados, esses números são um prenúncio do colapso. 

Em fevereiro, o Planalto finalmente admitiu a impossibilidade de resolver sozinho o problema e privatizou os aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília. Cumpre às empresas que venceram o leilão fazer em dois anos o que o governo não fez em cinco. Se os novos responsáveis pelo transporte aéreo forem confrontados com obstáculos instransponíveis, poderão valer-se da cláusula do contrato que permite a devolução dos terminais ao antigo dono. Nessa hipótese, os organizadores da Copa terão de encontrar uma forma muito mais complexa que as mais complicadas táticas adotadas pelos melhores times do mundo. 

(*) Jornalista e repórter da Revista Veja 

Nenhum comentário:

Postar um comentário