Delfim Neto (*)
Organismos oficiais responsáveis pelo planejamento do setor energético estimam que mais de dois terços (70%, aproximadamente) do potencial ainda inexplorado para a produção de energia hidrelétrica no Brasil está na Amazônia. É nessa imensa região, onde “a terra brota das águas” (na feliz descoberta do jornalista Juan de Onis, veterano correspondente da imprensa europeia entre nós), que os brasileiros vão consolidar a autonomia energética que ajudará a garantir prosperidade, a integração econômica e um lugar no primeiro escalão das nações que vão dar as cartas neste mundo do século XXI.
O aproveitamento desse potencial recebeu um forte impulso em janeiro de 2011 com o início das obras das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, que terão capacidade de acrescentar 6 mil megawatts à matriz energética brasileira. A primeira tem geração prevista para 2015, enquanto Jirau já está com 70% da obra em andamento e deve iniciar os testes operacionais no primeiro trimestre de 2013. Com menos de dois anos de trabalho – enfrentando as difíceis condições da Amazônia Oriental – a GDF Suez, empresa líder do consórcio Energia Sustentável do Brasil, preparava-se para começar os testes de geração no segundo semestre de 2012. Teve de reprogramá-los por causa dos conflitos trabalhistas que interromperam as atividades em duas ocasiões, já retomadas por sinal.
Na construção da Usina de Santo Antônio trabalham hoje 15 mil funcionários, a maioria ocupada nas obras civis. As obras da Usina Hidrelétrica de Jirau geraram 25 mil empregos diretos no auge dos trabalhos de construção da barragem. Na fase atual são 16 mil, com a diminuição do volume das obras civis. Um número expressivo desses trabalhadores foi contratado após rápido aprendizado, proporcionado pelas próprias empreiteiras. Dois aspectos importantes foram ignorados, de modo geral, nos relatos da mídia quando da divulgação dos incidentes nos canteiros de obras.
O primeiro diz respeito às dificuldades das empreiteiras para encontrar trabalhadores com experiência nesse tipo de obra, os chamados barrageiros, pelo simples fato de que entre 1985 (quando terminou a gigante Itaipu) e 2005 (quando o governo Lula conseguiu derrotar a oposição à construção de usinas na Amazônia), o planejamento das hidrelétricas foi abandonado no Brasil. Quem não se lembra do “apagão” energético de 2001? Em duas décadas sem obras importantes no setor, os barrageiros se dispersaram. Um capital humano precioso foi desperdiçado.
Outro aspecto é a falta de referência às barreiras naturais representadas pela distância dessa região dos centros urbanos, onde o trabalhador encontra o conforto a que está acostumado, com os problemas agravados pela necessidade de ficar longe da família, dos amigos. Os antigos barrageiros tinham adquirido um know-how valioso que lhes permitia superar os desconfortos da vida meio nômade.
No seu livro A História das Maiores Obras do País e dos Homens Que as Fizeram, Wilson Quintela, um executivo de grande valor que presidiu a Construtora Camargo Corrêa, descreve os barrageiros: “Trata-se de alguns milhares de homens e mulheres, de peões a engenheiros, de mestres de obra a cozinheiros que, à maneira dos antigos exércitos, se deslocam de barragem em barragem ao longo dos rios brasileiros, construindo as usinas que mantiveram o País aceso, com energia limpa, durante meio século”.
Impõe-se observar a natureza desses problemas quando persiste entre nós uma forma de oposição retrógrada, que tem encontrado meios de retardar (e até impedir) a exe-cução das obras projetadas para iluminar os povos amazônicos e possibilitar a produção de manufaturas, inclusive para exportação. Há novos caminhos para chegar aos portos peruanos no Pacífico e aos mercados do Caribe.
É imperioso dar andamento às obras das hidrelétricas de Belo Monte, no Xingu, no Rio Teles Pires, em Mato Grosso, e insistir na liberação dos licenciamentos para o complexo de usinas em São Luís do Tapajós, em território paraense. E é importante manter ocupados os novos barrageiros com o treinamento e a capacitação técnica que estão absorvendo na construção das usinas pioneiras do Rio Madeira.
Os brasileiros querem o cum-primento das leis de proteção ambiental e a audiência autêntica dos povos indígenas, mas não têm por que aceitar a chantagem de organizações financiadas com capital externo, cujo desejo, obviamente, não é o bem-estar dos naturais da Amazônia.
(*) Economista formado pela USP e Professor de Economia, foi ministro de Estado e Deputado Federal.
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