domingo, 15 de novembro de 2009

Tributos x contribuintes


Modernização Tributária
Helenilson Pontes (*)

A raiz de muitos dos problemas da relação entre Fisco e contribuinte no Brasil está em leis tributárias, sobretudo as estaduais, esquizofrênicas e autoritárias. Como nesta época do ano normalmente os técnicos do governo estadual estudam alterações legais a serem enviadas à Assembléia Legislativa, aproveito para citar algumas questões que poderiam receber uma nova regulação, em nome da promoção de um ambiente de respeito à cidadania tributária e efetividade da lei tributária.

Primeiro. Já passou a hora de uma ampla revisão das multas tributárias. 
A existência de sucessivos programas anuais de anistias e parcelamentos favorecidos são provas incontestes de que multas altas não diminuem a sonegação e nem garantem maior arrecadação.
Para a hipótese de não recolhimento do tributo devido, a lei tributária estadual deveria ser simplificada e prever apenas três espécies de multas: uma pelo simples atraso no pagamento (multa moratória), com a alíquota máxima de 20% (como ocorre com a lei federal); outra para a hipótese de auto de infração lavrado pela autoridade fiscal (multa punitiva), com uma alíquota de 50%; e uma última, com alíquota de 75% para a hipótese de fraude do contribuinte.
Para o caso de descumprimento de deveres acessórios (entrega de declarações, formulários, etc), a lei deveria prever multas em valores fixos em Reais e, quando esta ilicitude formal também gerar falta de recolhimento, estas multas deveriam ser absorvidas pelas multas calculadas em percentual sobre o tributo devido, de valores substancialmente maiores. Não há sentido lógico-jurídico na cumulatividade sancionatória: uma multa pela ilicitude formal, e outra pelo não recolhimento do tributo devido, aplicadas em duplicidade.

Segundo. Fim do esdrúxulo critério de correção monetária dos créditos tributários estaduais. A indexação obrigacional acabou com o Plano Real. Não há sentido em a lei estadual continuar prevendo índice de correção monetária para as dívidas fiscais. 
O ideal é simplesmente prever a incidência de juros para manter o valor nominal da moeda, que poderia ser estabelecido em taxa fixa (algo em torno de 6% ao ano, nível anual da inflação) ou vinculando-o à Taxa Selic, modelo adotado pelo Fisco federal. 
A Selic hoje espelha o desgaste inflacionário sofrido pela moeda e garantiria o Estado contra qualquer prejuízo com a demora no recebimento dos seus créditos. 
A lei estadual atualmente incha o crédito tributário cumulando correção monetária e juros sobre o valor principal.

Terceiro. A exemplo do que já acontece com a lei federal, a legislação estadual deveria contemplar a autorização para o Procurador Geral do Estado e o Secretário da Fazenda determinarem o cancelamento ou o não lançamento de créditos tributários fundados em leis já declaradas inconstitucionais pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, bem como a competência do Tribunal Administrativo para adotar o entendimento já pacificado pela Jurisprudência, evitando assim que o Erário continue em aventuras jurídicas que só lhe trazem prejuízos.

Quarto. É tempo de prever a flexibilização do voto de qualidade (ou voto de desempate) no julgamento pelo Tribunal Administrativo de Recursos Fazendários. 
Embora tenha composição paritária entre representantes do Fisco e do contribuinte, o Tribunal funciona segundo a regra de que, na hipótese de empate, o voto de desempate cabe ao Conselheiro presidente, necessariamente um agente fiscal. 
Na prática, significa dizer que o voto de um dos representantes do Fisco vale por dois, quebrando o princípio da paridade.
O auto de infração consubstancia uma acusação e contém a aplicação de uma pena. O processo administrativo fiscal objetiva verificar se esta acusação atende aos rigores da legalidade. Na hipótese de dúvida quanto à validade desta acusação deve prevalecer o princípio constitucional da presunção da inocência, conforme exige regra clássica do direito sancionatório.

Se não chegamos a um grau de maturidade institucional suficiente para reconhecer legalmente a plena aplicabilidade do princípio da presunção da inocência e o conseqüente cancelamento da penalidade, na hipótese de empate no julgamento administrativo, a lei tributária deveria, pelo menos, estabelecer a redução pela metade da multa aplicada, reconhecendo a dúvida jurídica quanto à validade da acusação fiscal promovida pelo Fisco, prestigiando o princípio constitucional da presunção da inocência e fortalecendo institucionalmente a função desempenhada pelo Tribunal Administrativo Fiscal. 

(*) Livre Docente em Legislação Tributária e Doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo/SP

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