sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Ainda o Vestido


VESTES E VESTAIS
Bellini Tavares de Lima Neto (*)

Na era da “internet” os segredos parecem ter sido completamente abolidos. Não há mais o que escape do alcance das lentes de um celular e que não vá parar na rede.
Esse episódio recente envolvendo a moça da saia curta e a reação dos colegas de universidade é só mais um exemplo. A garota, claramente bem contemplada pela natureza, entendeu que poderia transitar com seus atributos sem maiores transtornos. Enganou-se.
E foi bem estranho, até um tanto incompreensível.
Considerando os costumes que vigoram hoje em dia, tudo o que se vê nas ruas, nas festas, nas novelas, no cinema, no teatro, fica difícil entender o que poderia ter provocado tamanha reação naquele grupo de estudantes.
Talvez somente lançando mão de recursos de psicologia de massas para entender essa espécie de quase linchamento que se praticou nos corredores da tal universidade.
Compreensível ou não, ao menos aos olhos da maioria a reação foi totalmente descabida e até certo ponto assustadora. Foi como uma sombra de inquisição pairando no ar, grupos pretendendo impor preceitos pelo regime da força e da violência.
Aliás, não foi muito diferente das intromissões de segmentos religiosos nas coisas da vida pública como volta e meia ocorre e, anda recentemente aconteceu com as pesquisas de célula-tronco enfrentando obstáculos para serem liberadas.
O mínimo que se pode dizer é que se trata de um lamentável retrocesso na caminhada da sociedade em busca de evolução.

Como nos tempos da internet nada mais passa despercebido, o caso da moça da saia curta acabou gerando inúmeros comentários. E, em meio a eles, pelo menos dois interessantes paradigmas.
Um dos fatores culturais que parece acompanhar as sociedades através dos tempos é o que se convencionou chamar de paradigma. São os modelos ou padrões de comportamento, de credos e convicções que vão se repetindo e, consequentemente, se firmando como verdades absolutas.
Acabam se incorporando ao elenco de crenças adotadas pela sociedade com tal força que ninguém mais se lembra de questionar de vez em quando, nem que seja para verificar se a data de validade não está vencida. Nessa história da saia da moça, um deles é o espanto causado por uma reação tão retrógrada vinda de um grupo social reconhecidamente progressista como o dos estudantes e dos jovens. Mas, afinal, será que os jovens são realmente tão progressistas? Pura ilusão.
Os jovens resistem a tudo o que não seja seus próprios valores. Alguém quer testar?
Pois vamos tomar como exercício uma simples visita de uma família a outra.
A família visitada está comemorando o aniversário de um filho adolescente. A família visitante é composta de pai, mãe e um filho também adolescente.
Lá chegando, o adolescente visitante encontra um grupo de outros tantos adolescentes, amigos do aniversariante. O adolescente visitante, então, se junta aos adolescentes presentes e “rola uma química”, como eles gostam de dizer? Nada disso. O visitante fica no seu canto, isolado e, quase que seguramente, os visitados não o chamarão para coisa alguma. Cada grupo na sua, eles não se misturam.
As tribos não se conversam. Essa liberdade etiquetada na forma de pensar dos jovens só existe sob o manto do paradigma. E isso porque os jovens são apenas pessoas que ainda viveram pouco. Só isso os difere dos mais velhos. Os jovens se tornarão velhos, ficarão rabugentos e ranhetas e continuarão a viver enclausurados em seus poucos metros quadrados de interação.
O outro paradigma que salta aos olhos é, curiosamente, a crítica à juventude e a previsão sombria a respeito do futuro na mão desses jovens. Eles não lêem, não pensam, não se comunicam, não se interessam por coisa alguma, estão destruindo a linguagem e os costumes. O que será do país na mão dessa gente? Mas, cá entre nós, o que é do país na mão dos ex-jovens de ontem ou anteontem? Quem é que está no comando da “terra brasilis” nos dias de hoje? Por acaso não seria aquela juventude aguerrida, cheia de ideologia que dizia lutar contra a ditadura em nome das liberdades democráticas e de um mundo mais justo e socialmente equilibrado? Os de hoje não são exatamente aqueles meninos e meninas tirados a revolucionários, banhados de cultura e inteiramente politizados? Não são esses que estão no comando regendo os “mensalões”, os “aloprados”, os sanguessugas que povoam o cenário do país cujo futuro está perdido na mão da juventude atual? Quantas vezes nós mesmos ouvimos nossos pais e avós ou seus pares daquele tempo dizendo que ‘a geração coca-cola” iria nos levar à beira do abismo? E afinal, levamos ou ficamos nos equilibrando diante do buraco?

O que parece é que, entra geração, sai geração, vem juventude, vai juventude e o nosso “planeta-Brasil” continua patinando, patinando, escorregando na verborragia, vivendo de sons: “este é um país que vai prá frente”, “tudo pelo social”, “nunca antes neste país”, “Brasil, um país de todos”. Continuamos a avaliar nossas mazelas à luz dos paradigmas, tal como acabamos de fazer com os percalços da moça das pernas de fora. E os paradigmas vão se multiplicando, proliferando. Os ricos são necessariamente desonestos e exploradores. Os pobres, inquestionavelmente honestos e generosos, são sempre as vítimas das elites dominantes. Assim como os jovens são progressistas e a juventude sempre levará o futuro ao abismo. Optar por caminhar pelas mãos dos paradigmas sem jamais questioná-los talvez não seja exatamente uma forma de viver. Quando muito, de sobreviver. Mas, o que se percebe é que assim vai caminhando a nossa gente. Nós ainda não descobrimos a nossa bússola e, então, vamos andando às cegas, batendo nossas canelas contra os obstáculos. E, como tudo tem seu preço, viver a partir de paradigmas certamente vai custar mais que a gritaria da moçada contra a saia da moça.

(*) Advogado e morador em São Bernardo do Campo em Sâo Paulo. Escreve no site
O dia Nosso de Cada Dia   http://blcon.wordpress.com
Este texto foi publicado na edição de hoje do jornal O Estado de Tapajós

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