Opinião do Estadão
Em agosto, quando Wagner Rossi se viu forçado a pedir exoneração do Ministério da Agricultura em face de denúncias da atuação franca e desimpedida de um lobista na pasta e na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e de outras irregularidades, a presidente Dilma Rousseff disse que ele deixava "uma herança de bons resultados". Ao mesmo tempo, porém, a presidente determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) realizasse auditorias no Ministério e na Conab para apurar as denúncias envolvendo a pasta. Os resultados da gestão de Rossi vieram à luz essa semana, revelando fraudes em licitações e desvios de verbas no Ministério e na Conab no valor de nada menos que R$ 228 milhões.
No relatório da CGU há de tudo: contratos irregulares com a Fundação São Paulo (Fundasp), que teria indicado o lobista Júlio Fróes para trabalhar dentro do Ministério; suposta cobrança de propinas por dirigentes da Conab; empresas registradas em nome de "laranjas", com sedes de fachada, que recebiam pagamentos do órgão; fraude em leilão de milho de produtor falecido há meses; graves problemas no transporte de grãos; aquisição de bens de informática e contratação de empresas de seguro-saúde para servidores - tudo sem licitação; e irregularidades na análise laboratorial para verificação de resíduos agrotóxicos em alimentos.
Em nota, o Ministério da Agricultura informou que recebeu o relatório e que o material será analisado e, dentro de dez dias, serão definidos os "encaminhamentos". Inquéritos na área administrativa devem ser instaurados para apuração das responsabilidades, mas, em alguns aspectos, o relatório poderia surtir efeitos imediatos. Por exemplo, se já não o foram, os cursos de treinamento ministrados pela Fundasp deveriam ser suspensos. E devem ser devolvidas as verbas pagas irregularmente, como recomenda a CGU. A Fundasp esclarece que, antes da conclusão da auditoria, já havia se colocado à disposição para devolver "os valores que tenham porventura sido recebidos indevidamente". Os números agora são fáceis de calcular. A Fundação recebeu R$ 5 milhões pelo convênio e, segundo o relatório, serviços de consultoria desnecessários prestados pela entidade geraram prejuízo de R$ 1,1 milhão aos cofres públicos.
A CGU também analisou denúncia de que o lobista teria pedido propina de 10% à Gráfica Brasil para assegurar a renovação de um contrato com o Ministério, sem que houvesse ao menos a demonstração da necessidade do serviço. O Ministério da Agricultura também poderia pedir reembolso desse dinheiro.
Quanto à Conab, a confirmação das denúncias feitas pela imprensa é da maior gravidade. O relatório afirma que a empresa Commerce Comércio de Grãos Ltda., registrada em nome de "laranjas", recebeu da Conab cerca de R$ 6,5 milhões em 2011 e outros R$ 916 mil em 2010. Os verdadeiros proprietários da Commerce possuem outras empresas, também em nome de "laranjas", que receberam mais de R$ 16,6 milhões.
A CGU considera "urgente" a reestruturação da área jurídica da Conab, cujo chefe já foi substituído, mas é estranhável que todo o restante da diretoria do órgão venha sendo mantida até hoje e que seus titulares não tenham se licenciado, pelo menos, enquanto são conduzidas as investigações nas esferas administrativa e policial. A CGU afirmou não poder confirmar denúncias de cobrança de propina por dirigentes da Conab, devendo para isso haver uma investigação policial, com a quebra de sigilos telefônico e bancário. As suspeitas, porém, são fortes, tanto assim que a CGU recomendou a "suspensão dos processos em curso para alienação de imóveis, até que novas diretrizes e avaliações sejam formuladas", e verificação dos preços pagos por serviços.
O ex-ministro Wagner Rossi e o ex-secretário executivo do Ministério da Agricultura Milton Ortolan não foram indiciados pela Polícia Federal e não se sabe nem mesmo se o lobista Júlio Fróes será chamado a depor. A apuração de responsabilidades depois da substituição de um ministro e seus auxiliares diretos, acusados de corrupção, é um avanço, mas há justificada desconfiança de que a impunidade acabe por prevalecer.
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