Opinião do Estadão
Numa sociedade democrática, partido político é uma entidade privada de direito público que se propõe a aplicar na administração da coisa pública princípios programáticos e projetos específicos consagrados em seus estatutos, e que com esse objetivo luta para chegar ou se manter no poder, mediante a conquista do voto dos eleitores que apoiam suas propostas. Ou seja, o objetivo, a meta, o fim de um partido político é representar a vontade popular na gestão do bem comum. O exercício do poder é o meio para isso.
Essa é a teoria. Na prática, demonstra-o a realidade brasileira, o exercício do poder pode ser um fim em si mesmo. E o fim colimado por muitos políticos está longe de ser o bem comum. O que interessa são as vantagens pessoais, os interesses momentâneos, as possibilidades eleitorais no próximo pleito. Por isso, para a enorme quantidade de políticos que mudam de legenda, estimulados pela impunidade, os partidos políticos significam apenas a necessária via de acesso ao poder em determinadas condições que, evidentemente, variam. Apenas isso.
O quadro partidário brasileiro tem hoje 29 legendas, na grande maioria inexpressivas, mas habilitadas a disputar eleições, o que demonstra a fragilidade da instituição da representação política. Grande parte desses grupamentos vive exclusivamente em função das eleições a cada dois anos. São legendas de aluguel. E todas têm direito a recursos do Fundo Partidário. É um negócio tão bom que, além dos 29 partidos existentes, há mais de 30 outros em processo de legalização.
Essa é a principal razão pela qual o instituto da fidelidade partidária não "pega" no Brasil. Embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenha decidido em 2008 que os mandatos pertencem aos partidos e não aos eleitos, decisão referendada pouco tempo depois pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os políticos continuam praticando sem a menor cerimônia a dança das cadeiras ao sabor de suas conveniências, como demonstrou ampla reportagem de Mariângela Gallucci, publicada no Estado. Apenas neste ano foram protocoladas na Procuradoria-Geral Eleitoral, pelo Ministério Público Eleitoral de 6 Estados, pelo menos 798 representações por infidelidade partidária, 128 delas no Estado de São Paulo.
De acordo com a lei, esses quase 800 parlamentares e prefeitos que trocaram de partido sem justa causa devem perder seus mandatos, devolvendo-os aos partidos pelos quais foram eleitos. Mas o próprio procurador-geral, Roberto Gurgel, é cético quanto a isso: "Como as eleições já se aproximam, a eficácia do resultado da sanção fica pequena". De fato, dada a irremediável lentidão da Justiça brasileira na aplicação de uma legislação que foi concebida pelos políticos com a deliberada intenção de deixar brechas em seu próprio benefício (a Lei da Ficha Limpa é outro magnífico exemplo dessa técnica), é muito pouco provável que mesmo os mais notórios trânsfugas venham a ser punidos. É o caso do deputado federal Gabriel Chalita, que eleito em 2010 pelo PSB, poucos meses depois se transferiu para o PMDB a convite de Michel Temer para concorrer à Prefeitura de São Paulo. Chalita, aliás, é reincidente em matéria de infidelidade partidária. Eleito vereador pelo PSDB em 2008, mudou-se em 2009 para o PSB, na ilusão de candidatar-se ao Senado, frustrada pelas conveniências da aliança então estabelecida entre o PSB e o PT em benefício da derrotada candidatura do cantor Netinho de Paula, pelo PC do B.
Apesar de ser grande o número de representações contra políticos que mudaram de mandato sem aparente justa causa, esses casos não têm tido grande repercussão no TSE, a julgar pelo balanço de atividades de 2011 divulgado na página de abertura do site oficial do tribunal. Nenhuma alusão à punição de trânsfugas. Há destaque, porém, à criação, este ano, de duas novas legendas: o Partido Pátria Livre (PPL) e o Partido Social Democrático (PSD). Este, liderado pelo prefeito paulistano, é responsável, aliás, por boa parte do troca-troca partidário dos últimos meses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário