Augusto Nunes (*)
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, produziu 27 páginas em juridiquês castiço para engavetar por falta de provas os pedidos de investigação do milagre da multiplicação do patrimônio do chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Leia alguns trechos e, em seguida, a interpretação do palavrório.
"Com todas as vênias devidas, ao contrário do que asseveram os representantes, a lei penal não tipifica como crime a incompatibilidade entre o patrimônio e a renda declarada.
Em nosso ordenamento jurídico, a existência de patrimônio incompatível com a renda somente adquire relevância penal quando tenha origem ilícita, porque havido pela prática de crime, contra a administração pública – peculato, corrupção, concussão – ou de outra natureza – tráfico de drogas, crime contra o sistema financeiro, estelionato –, revelando o acréscimo patrimonial a ação de inserir no mercado formal recursos oriundos da conduta delituosa – lavagem de dinheiro.
No presente caso, examinadas as representações, com toda a atenção que a alta qualificação dos seus autores e a gravidade do seu conteúdo impõem, e as matérias jornalísticas bem como as informações e os esclarecimentos prestados pelo representado, acompanhados de documentos, não é possível concluir pela presença de indício idôneo de que a renda havida pelo representado como parlamentar, ou por intermédio da Projeto, adveio da prática de delitos nem que tenha usado do mandato de Deputado Federal para beneficiar eventuais clientes de sua empresa perante a administração pública.
A investigação de fatos que envolvem transações imobiliárias e receitas ilícitas não prescinde da realização de diligências que naturalmente constrangem a privacidade do investigado e de terceiros com quem tenha mantido relações financeiras, tais como quebras de sigilo bancário e fiscal.
Segundo o que consta dos documentos apresentados pelo representado, especificamente as Declarações de Informações Econômico Fiscais, a empresa Projeto, da qual o representado foi sócio administrador desde a sua constituição, em julho de 2006, até a 4ª alteração contratual, em junho de 2010, não celebrou contrato com pessoa jurídica de direito público nem gozou de favores decorrentes de contratos dessa natureza, o que afasta eventual suspeita de que o representado agiu ilicitamente ao manter-se na administração da Projeto durante o período em que exerceu o mandato parlamentar”.
As 27 páginas podem ser resumidas em seis tópicos:
1. O procurador-geral da República é o chefe do Ministério Público da União e do Ministério Público Federal. Também atua como procurador-geral eleitoral.
2. O ocupante do cargo é nomeado pelo presidente da República e a escolha deve ser ratificada pela maioria absoluta do Senado.
3. O mandato de Roberto Gurgel termina em 22 de julho.
4. Ele é candidato a mais um mandato de dois anos.
5. Se decidisse investigar Palocci, Gurgel estaria admitindo que há um caso de polícia no Planalto. O arquivamento das representações encaminhadas por partidos de oposição pavimenta a saída esperta: o governo agora pode alegar que afastou o chefe da Casa Civil não para livrar-se de um pecador, mas para evitar o agravamento de uma crise forjada por adversários políticos.
6. Para não ter de procurar outro emprego daqui a um mês e meio, o procurador-geral preferiu não procurar nada de errado num caso exemplar de tráfico de influência.
Antonio Fernando de Souza, o antecessor de Gurgel, denunciou o escândalo do mensalão e o estupro da conta bancária do caseiro Francenildo Costa, entre outras demonstrações de independência e altivez. Honrou o Ministério Público, esteve sempre a serviço da Justiça e nunca se curvou aos interesses do Executivo. Dele, Roberto Gurgel só herdou o cargo.
(*) Jornalista e Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário