Opinião do Estadão
Indo além de sua missão constitucional, que é promover o controle externo do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que autoriza, de forma indireta, um aumento nos vencimentos da magistratura. A partir de agora, os 16.100 juízes em atividade receberão auxílio-alimentação e poderão "vender" 20 dos 60 dias de férias a que têm direito.
Pela resolução, os juízes também poderão tirar licença remunerada para estudar no exterior. Além disso, eles receberão ajuda de custo para atividades realizadas fora da jurisdição e para representação de classe e uma "indenização" de 20% de seus salários quando, "por necessidade de serviço", acumularem dois períodos de férias não gozadas.
Como esses benefícios não são previstos pela Lei Orgânica da Magistratura, que entrou em vigor em 1979, o CNJ fundamentou sua decisão no princípio da isonomia previsto pela Constituição de 88. Sob a justificativa de "aproximar" os dois textos legais e promover uma "simetria funcional" entre o Judiciário e o Ministério Público, o órgão achou "justo" conceder aos magistrados as mesmas regalias que a Procuradoria-Geral da República e as Procuradorias de Justiça dos Estados dão aos seus membros.
"A concessão de vantagens às carreiras assemelhadas induz a patente discriminação, contrária ao preceito constitucional, e ocasiona desequilíbrio entre as carreiras de Estado", diz a resolução do CNJ.
A equiparação de regalias era uma reivindicação antiga dos juízes e levou a Associação da Magistratura Brasileira (ABM) a contratar como "consultora" uma conhecida lobista brasiliense - Helga Jucá, irmã do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) - para pressionar o Congresso a aprovar os projetos salariais de interesse da corporação. Do ponto de vista formal, o pedido de equiparação salarial entre juízes e promotores foi enviado ao CNJ pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe), que está recorrendo aos préstimos do notório deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para defender os interesses da categoria no Congresso, e até ameaçando promover mais um "dia nacional de mobilização". A última vez que os juízes federais cruzaram os braços foi em 27 de abril. O salário médio da corporação, que - além dos benefícios funcionais - está pleiteando um reajuste de 14,79%, é de R$ 23 mil.
A magistratura também reivindicava o direito à licença-prêmio - um período de folga de três meses para cada cinco anos trabalhados. E, caso o juiz não gozasse dessa regalia, ao se aposentar ele poderia receber em dinheiro o valor equivalente aos três meses. O CNJ não acolheu essa pretensão, uma vez que ela está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal, numa ação impetrada por um magistrado aposentado.
O Conselho Nacional de Justiça não divulgou o impacto das regalias que concedeu à magistratura nos gastos públicos, mas o relator Felipe Locke e os presidentes de entidades de juízes afirmam que ele será "mínimo". Eles também alegam que, além de constituir "uma forma de defesa da independência do Poder Judiciário", os benefícios ajudarão a "preservar a magistratura como carreira atrativa".
O aumento dos gastos do Poder Judiciário com folha de pagamento é apenas um dos lados do problema. O outro lado é de natureza jurídica. Como o Conselho Nacional de Justiça é um órgão administrativo, e não legislativo, ele não tem competência jurídica para tomar decisões que - mesmo por vias indiretas - levem a aumento salarial. Pela Constituição, reajustes de vencimentos e concessão de benefícios somente podem ser feitos com base em lei específica aprovada pelo Congresso. Isso foi lembrado pelo próprio presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, que foi voto vencido.
Agora a magistratura está pedindo à cúpula do Poder Judiciário o cumprimento imediato da resolução do CNJ. Mas, como ela é flagrantemente inconstitucional, a Advocacia-Geral da União (AGU) pode contestá-la no Supremo Tribunal Federal. Se a AGU tomar essa iniciativa, resta esperar que o Supremo atue como Corte constitucional e que seus 11 ministros não se deixem levar por interesses corporativos.
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