quinta-feira, 30 de junho de 2011

A ''missão heroica'' dos aloprados

Opinião do Estadão

O ministro petista da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, invocou matreiramente o passado para se defender das acusações do companheiro Expedito Veloso, publicadas pela revista Veja, que reabriram o escândalo dos aloprados - a sórdida tentativa de vincular o candidato tucano ao governo paulista em 2006, José Serra, a um negociante envolvido com a chamada máfia das ambulâncias. A ideia era divulgar um dossiê que comprovaria a suposta vinculação, para tentar impedir a vitória de Serra, que afinal se consumou, sobre o seu adversário do PT, o mesmo Mercadante.

Deu tudo errado, como se sabe - daí o termo pejorativo que o então presidente Lula utilizou para ridicularizar, sem porém condenar, os operadores da armação. Eles foram apanhados pela Polícia Federal com R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo para comprar a documentação fajuta. Mercadante nega até hoje que soubesse da tramoia ou a tivesse autorizado - não obstante o seu condutor fosse ninguém menos do que o braço direito do petista na campanha, Hamilton Lacerda, de quem se livrou mais do que depressa. O caso parecia destinado ao abarrotado arquivo morto das baixezas políticas nacionais, quando, no fim da semana atrasada, vieram a público as afirmações incriminadoras sobre Mercadante.

Ex-diretor do Banco do Brasil, atual secretário adjunto de Desenvolvimento Econômico do governo do Distrito Federal, Expedito Veloso, em conversas que não sabia estarem sendo gravadas e que considerou "um desabafo", disse que o hoje ministro participou pessoalmente da decisão de comprar o material que poderia mudar o rumo da eleição estadual, pela desmoralização do favorito Serra. Ainda segundo Veloso, Mercadante até teria se incumbido de obter uma parte da dinheirama junto ao chefe peemedebista Orestes Quércia; em troca, ele ficaria com um naco de um eventual governo petista em São Paulo. O político peemedebista faleceu em dezembro último.

Escaldado pela sina do ministro Antonio Palocci, defenestrado do Planalto por ter tardado a explicar o seu súbito e fabuloso enriquecimento e, quando o fez, não convenceu, Mercadante tomou ele próprio a iniciativa de aproveitar uma exposição na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, anteontem, para contestar a versão de Veloso. Foi então que buscou arrimo no passado. De um lado, ao invocar o parecer da Procuradoria-Geral da República, segundo o qual não havia no inquérito dos aloprados "um único elemento" que o ligasse ao esquema, razão por que o Supremo Tribunal Federal mandou arquivar o caso.

De outro lado, para culpar a ditadura pela propensão dos companheiros, passadas duas décadas da redemocratização, a fazer literalmente qualquer negócio para vencer os embates políticos. "Naquele período" - e ele certamente se referia à luta armada contra a ditadura - teorizou o ministro, "quem estava dentro de uma organização (achava que) tinha direito de fazer o que tivesse de fazer" para cumprir o seu "papel histórico". Assaltar bancos, assassinar adversários, assim como sequestrar embaixadores eram as "missões heroicas". Já nos tempos do PT funcionando como oposição em pleno regime democrático, a "missão heroica" passou a ser as "caixinhas", nos governos municipais conquistados pelo partido, para financiar a conquista legal do poder central.

Finalmente, conquistado o poder central, a mesma mentalidade leva os petistas a crer que têm "uma missão heroica para fazer", em defesa do partido "criminalizado pela imprensa". Essa - segundo Mercadante - teria sido a gênese do frustrado contra-ataque do dossiê antitucano.

Ou seja, ele recorre a decisões judiciais datadas para se inocentar e constrói uma teoria estapafúrdia para não parecer que está condenando a companheirada. Acredite quem quiser que, no lamaçal do dossiê, ele foi o único a se manter limpo, pela elementar razão de que ignorava o que se passava no centro de sua campanha. Se soubesse, vai sem dizer, enquadraria os heróis aloprados sem pestanejar. Por que então não processa logo o seu acusador, em lugar de remeter a decisão para quando "acabar de apurar tudo o que aconteceu"?


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