domingo, 26 de junho de 2011

Assaltados x Assaltantes

A abulia dos brasileiros assaltados explica o crescente descaramento dos assaltantes

Augusto Nunes (*)

A legalização da gastança criminosa em segredo, decerto a mais obscena das pilantragens infiltradas no Regime Diferenciado de Contratações, vulgo RDC, talvez tenha sido escalada para o papel de bode na sala. Com a remoção do sigilo bandido, os brasileiros que pagam todas as contas podem acabar engolindo sem engasgos, por achá-la menos intragável, a abjeção aprovada pela Câmara. É tudo o que os gatunos querem.

Agir em sigilo é sempre mais confortável, mas furtar com cara de quem presta serviços à pátria é uma das especialidades da turma que organiza, com o olho rútilo e o lábio trêmulo, a Copa da Roubalheira e a Olimpíada da Ladroagem. O texto que regulamenta o assalto aos cofres públicos sem perigo de cadeia embute uma gazua em cada parágrafo. Uma das mais eficazes é a que elimina tanto a apresentação do projeto básico quanto a limitação das despesas. Favorecida pelas duas espertezas, a procissão de “gastos imprevistos” vai produzir milagres da multiplicação do patrimônio de matar de inveja um Antonio Palocci.

Os retoques que conseguiram tornar apavorante um horizonte desde sempre perturbador confirmaram que, para anabolizar a criatividade, nada melhor que a ganância. O deputado Jovair Arantes, do PTB de Goiás, emplacou uma emenda que estende as regras do RDC a todas as obras executadas num raio de 350 quilômetros em torno de qualquer das 12 sedes de grupos da Copa. Como Brasília vai hospedar uma das chaves, por exemplo, a licença para roubar será estendida a Goiânia, onde Arantes caça votos. Excitada com a ideia, a bancada do PDT radicalizou: propôs a aplicação da malandragem em todo o território nacional.

No país dos desmemoriados profissionais, convém lembrar de meia em meia hora que o orçamento dos Jogos Pan-Americanos de 2007, realizados no Rio, começou em R$ 400 milhões e alcançou estratosféricos R$ 3,7 bilhões. Dez vezes mais. Tanto dinheiro por nada: a infraestrutura da cidade não herdou uma única obra relevante. Como sempre, a discurseira ufanista foi só a senha que anuncia a iminente ofensiva dos quadrilheiros.

O governo e o Congresso tiveram três anos para aperfeiçoar a lei de licitações. Nada fizeram. Deliberadamente, deixaram o tempo passar até que chegou a hora de transformar a pressa em pretexto para a reprise do roubo em escala ampliada. A abulia das vítimas explica a desfaçatez dos reincidentes. Com assaltados que não reagem a ataques sucessivos dos mesmos assaltantes, é natural que os larápios de terno nem confiram se há algum camburão por perto.

Eles nem imaginam que, não faz tanto tempo assim, seus colegas de ofício ao menos temiam que alguém chamasse a polícia.

(*) Jornalista e Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja.

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