Bellini Tavares de Lima Neto (*)
Existem inúmeras situações de comportamentos estranhos que sofrem toda sorte de repressão, perseguições e até punições e, somente muito depois, se constatou que se tratava de algum problema de ordem médica. Faz pouco tive a oportunidade de assistir um filme que tratava de um garoto que emitia sons pela garganta. Como aquilo acontecia com freqüência e causava transtornos na escola ou em qualquer outra situação social, o tal garoto acabou sofrendo sérias repreensões, sendo tachado de indisciplinado por perturbar a ordem de forma acintosa. Foi preciso tempo para se descobrir que o garoto sofria de uma doença que causava aquele comportamento. Os gritos vinham involuntariamente e o menino não tinha nenhum meio de controlá-los. Portanto, o comportamento tido como inconveniente, desrespeitoso, desafiador, era, na realidade, uma deficiência médica que, por sinal, não tinha cura nem controle.
Cada vez mais me inclino a acreditar que é esse o caso da sociedade brasileira, do individuo brasileiro em geral. O comportamento absolutamente descompromissado com os simples resquícios de principio ético e moral deve ser algum problema médico que acomete a gente nascida por estas bandas do planeta. Não estou me referindo aos escândalos que explodem em periodicidade quase semanal, sobretudo lá pelas bandas do planalto dos mistérios. Esses talvez sejam decorrentes de uma variedade um pouco mais aguda e agressiva do mesmo mal desconhecido. Estou me referindo à manifestação mais geral, comum como nos velhos tempos do sarampo ou da catapora, se é que, realmente, essas doenças foram debeladas do nosso convívio.
Para sair do plano das ponderações e entrar mais concretamente no da realidade, pincei, das páginas dos jornais, uma declaração proferida por uma advogada. Ei-la: A advogada de Pimenta se disse consternada, porque não esperava que o mandado de prisão saísse no mesmo dia da decisão do Supremo Tribunal Federal. "Isso nunca acontece. Só ocorreu por ser um caso de grande repercussão." Maria José estava em Campinas, atuando na defesa do empresário Arnaldo Pereira Mayer, um dos 12 presos nas investigações de irregularidades na Sanasa. Hoje, ela vai se encontrar com Pimenta Neves. A advogada frisou que o jornalista estava "sereno".
Como se sabe, o tal Pimenta é o ex-jornalista de atuais 74 ou 75 anos de idade que matou pelas costas sua ex-namorada, também jornalista. Isso aconteceu há cerca de 11 anos e, desde então, apesar de réu confesso, conseguiu, graças à competência processual de seus advogados e advogadas, protelar o desfecho do caso, o que só ocorreu recentemente por conta de decisão do Supremo Tribunal Federal em um último recurso interposto por seu séquito de profissionais. O homicida em questão se cercou de advogados competentes e se valeu de todos os meios legalmente permitidos para prolongar por extensos onze anos os trâmites necessários à aplicação da pena singelamente contemplada no artigo 121 do Código Penal nascido em 1940. Nem é preciso enfatizar que só conseguiu essa proeza porque dispunha de recursos financeiros para custear profissionais de nível diferenciado. Fosse o caso de um defensor público, seria no mínimo duvidoso que o percurso fosse tão longo e tivesse se limitado a apenas 15 anos. Os quais, aliás, graças à legislação que rege o sistema de penas, poderá facilmente ser reduzido a frugais 30 meses de reclusão, ficando os restantes 150 meses sob o regime semi-aberto, ou seja, cadeia só para dormir.
.Tudo isso, contudo, está expressamente contemplado em lei e, portanto, não há que se falar em abusos ou arbítrios sob o prisma estritamente jurídico. Já sob o ponto de vista ético, moral, a história poderia ser bem outra, mas isso dependeria da sociedade e dos que a integram, os indivíduos brasileiros. O que realmente causa um certo impacto é o fato de que no único momento em que o sistema judiciário como um todo, aí se incluindo legislação e Poder Judiciário, deu alguma demonstração de eficiência, isso causou consternação. A advogada de Pimenta se disse consternada, porque não esperava que o mandado de prisão saísse no mesmo dia da decisão do Supremo Tribunal Federal. "Isso nunca acontece. Só ocorreu por ser um caso de grande repercussão.”.
Só pode ser doença.
(*) Advogado , morador em S. Bernardo do Campo (SPO).
Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com
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