Frei Betto
Miro a propaganda eleitoral na TV, ouço-a no rádio. E me pergunto: em que galáxia habito? Fico a me perguntar se o desfile mórbido de candidatos difere muito da apresentação dos gladiadores prestes a disputar o direito à vida no Coliseu de Roma.
São tantas besteiras, tantas promessas inconsistentes, tantas ofensas à língua pátria, que chego a preferir um passeio pelo zoológico, onde se pode apreciar, de jaula em jaula, a variedade do animais, sem o incômodo de escutar tanta bobagem.
Claro que incontáveis aparelhos de TV e rádio desligados no horário eleitoral significam um recado óbvio: reforma política já! Como não virá imediatamente, tudo indica que, de novo, a partir de 2011 veremos a nossa representação política – nas Assembleias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado – integrada por figuras respeitáveis, competentes, éticas, ombro a ombro com o besteirol: políticos eleitos, não pelo que representam como promotores do bem comum, e sim pela fama na mídia, no esporte, na esbórnia, na exuberância das nádegas e no escracho geral.
Pobre Brasil! A culpa é de quem? Do eleitor? Discordo. A culpa é dos partidos que aceitam filiações irresponsáveis, funcionam como legenda de aluguel, abrem as portas aos arrecadadores de votos, meros candidatos-iscas para robustecer a bancada partidária no Poder Legislativo. Não importa se o eleito não fala lé com cré. Importa é ter amealhado votos em quantidade.
Isso revela algo muito grave: os partidos cada vez menos representam uma parte ou segmento da sociedade. Representam a si mesmos. Viraram clubes políticos destinados a beneficiar seus sócios. Vivem descolados da base social, gabam-se de não ter ideologia, apenas interesses e, em tudo que fazem, buscam, em primeiro lugar, reforçar o próprio poder. E funcionam na base da ação entre amigos, pois quem se elege trata de nomear quem não se elegeu para um cargo público bem remunerado.
O Brasil precisa, sim, urgentemente, de uma reforma de seu sistema político. Não basta mudar as regras do jogo. Faz-se necessário modificar a atual cultura política, fundada no compadrio e nepotismo (como pode uma ministra incorporar familiares na máquina do governo?), no tráfico de influências, no uso dos recursos do Estado para benefício próprio.
Quem se faz representar em nosso poder legislativo? A elite, o agronegócio, os lobbies de armas e bebidas alcoólicas, da devastação da Amazônia e da abertura irresponsável do país ao capital estrangeiro. Esta é a minoria da população, poderosa, mas minoria.
Quem representa os sem terra e os sem teto? Quem representa os que padecem a falta de saúde e educação? Quem representa os povos indígenas, as pessoas com necessidades especiais, os jovens e idosos? Quem representa os movimentos populares?
Introduzir uma nova cultura política é criar mecanismos de controle civil do poder público, de modo a inibir a corrupção, punir os que agem ao arrepio das leis e combater tudo isso que, na estrutura socioeconômica brasileira, favorece e fortalece diferentes formas de desigualdades.
A revogabilidade de mandatos, mormente em casos de corrupção comprovada, deveria figurar como princípio pétreo em nosso sistema político. Por que permitir que uma mesma pessoa possa, indefinidamente, candidatar-se, perpetuando-se na política? Ninguém deveria ter o direito a mais de dois mandatos sucessivos na mesma função.
Para avançar rumo à democracia participativa, o Brasil precisa reformular seu sistema de comunicação, de modo a possibilitar o acesso dos setores populares à livre expressão; promover plebiscitos e consultas populares; adotar o financiamento público de campanhas eleitorais; criar mecanismos de controle social das políticas econômicas e do orçamento. Por que não há representação sindical na direção do Banco Central?
Como falar em democracia se, em plena campanha presidencial, apenas quatro candidatos têm direito a participar dos debates na TV? E os demais? Foram legal e legitimamente indicados por seus partidos. Não importa que sejam partidos nanicos. Uma democracia não se faz sem isonomia. O eleitor tem o direito de conhecer as propostas de todos que são oficialmente candidatos a funções executivas.
Desde o fim da ditadura, em 1985, a democracia se aprimorou muito no Brasil. Contudo, não se julga um país pela perfeição de suas leis, e sim pela aplicação dessas mesmas leis. A aprovação da Ficha Limpa demonstra que a sociedade civil organizada e mobilizada pode mais do que ela mesma crê. É hora de não apenas ouvir o que têm a propor os candidatos, mas de os movimentos sociais e congêneres apresentarem a eles suas propostas e sugestões.
Autoridade é o povo, de quem os políticos são meros servidores.
(*) Escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org – twitter: @freibetto.
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