Klaus G. Hering (*) para O Estado de S.Paulo
Em entrevista a O Estado de S. Paulo em 10 de junho, o relator do projeto de alteração do Código Florestal, deputado Aldo Rebelo, revela uma postura de neutralidade indispensável para a formulação da política florestal. A neutralidade reside no fato de o deputado estar equidistante tanto de um ambientalismo utópico quanto de interesses produtivos curto-prazistas, postura indispensável para a elaboração de um código que atenda a dois objetivos estratégicos supremos, quais sejam, a preservação das matas nativas e o desenvolvimento econômico-social.
Na visão do relator, para atingir tais objetivos, duas condições seriam indispensáveis: a descentralização da política ambiental e a disseminação de unidades de conservação de menor porte.
A questão é como tornar operacional essa sugestão. Tome-se como exemplo um município do Vale do Itajaí (SC), Botuverá, que, além de já possuir três unidades de conservação, criou em 2003 uma Área de Proteção Ambiental (APA) por decreto do prefeito e ratificada pela Câmara de Vereadores, conforme previsto na Lei n.º 9.985 de 18 de junho de 2000. Cobre uma área de 5.881 hectares de Mata Atlântica pertencente a 78 pequenos proprietários rurais, em boa parte explorada em sua madeira antes do Código Florestal de 1965.
O diferencial e o sucesso da APA de uso sustentável de Botuverá, que a distinguem das demais unidades de conservação puramente de papel, consistiram na instituição de um conselho deliberativo tripartite, com poderes decisórios, integrado por representantes dos interesses de toda a comunidade, quais sejam, dos proprietários rurais, da sociedade civil organizada e dos órgãos públicos ambientais municipais e estaduais. Por sinal, o idealizador deste tipo de unidade de conservação dirigido por um conselho deliberativo atuante e com visão de longo prazo foi o eminente professor da USP Paulo Nogueira Neto, primeiro titular do que viria a ser o Ministério do Meio Ambiente. Dentro dessa concepção, em reuniões mensais, se conseguiu conciliar os interesses econômicos e ecológicos, iniciando-se a elaboração de um plano de manejo adequado para as condições muito peculiares do município, em especial para a palmiteira e a implantação de medidas efetivas contra a ação de caçadores e ladrões de palmito, contando-se com a colaboração de dezenas de proprietários e a polícia ambiental. Construiu-se uma ponte sobre o fosso que normalmente opõe órgãos ambientais e proprietários, sem ônus adicional para o erário, gerando uma consciência preservacionista nos executores do manejo sustentável.
Mas o potencial de tal instituição-núcleo para a execução de uma política florestal satisfatória não se esgota em conciliar a legislação federal, mesmo que mais flexível que a do código de 1965, com o manejo efetivo deste mosaico que é a floresta tropical (em que um hectare difere do outro em sua composição arbórea e características de solo e clima). E não se esgota por considerar em suas decisões as diferenças culturais das comunidades executoras do manejo (por exemplo, um grileiro da Amazônia e um agricultor catarinense que herdou a mata de seus pais e quer passá-la a seus filhos).
Em essência, as reuniões do conselho deliberativo consistem numa negociação entre (1) valores ecológicos materializados na legislação ambiental e (2) desejos de produção rentável. O impulso dinâmico advém do desejo de geração de renda dos proprietários.
Graças a ele as reuniões, como tão bem o assinalou Nogueira Neto, têm garantida sua efetividade e continuidade no tempo. É a mola propulsora do desenvolvimento econômico, aqui refletida, e que pervade como objetivo estratégico supremo os tempos de hoje e orienta os esforços dos indivíduos. O desafio que se coloca é como canalizar essa força atuante ao encontro dos valores ecológicos.
Num primeiro momento, a interação positiva entre proprietários e órgãos ambientais tem como benefício a orientação dos primeiros em relação ao cipoal da legislação ambiental. No caso concreto de Botuverá, possibilitou o manejo legalizado da palmiteira, contornando as dificuldades burocráticas dos diversos órgãos públicos que impediam o pequeno produtor a cortar, transportar e comercializar seu produto. Aplacou-se, assim, a declarada guerra entre produtores e fiscalização que, muito facilmente, leva a fraudes, corrupção e degradação ambiental.
Do fato de cada ação sobre a floresta ter de considerar tanto a preservação do bioma como a sua rentabilidade, tem início um processo que oscila entre a aquisição de novos conhecimentos sobre a dinâmica da floresta e a busca de maiores resultados econômicos. Sendo secular o horizonte temporal no qual repercute tal ação, tanto os ambientalistas quanto os investidores necessitam da maior confiança possível na base de dados em que apoiam suas decisões. E aqui nasce a necessidade de pesquisa com rigor científico e capaz de desembocar em aperfeiçoamento tecnológico do manejo. Com potencial de influenciar gradativamente os órgãos normativos. Foi por essa razão que a APA de Botuverá incluiu instituições de pesquisa em seus conselhos deliberativos e destacou parcelas de mata para pesquisa e demonstração.
Existe, pois, um modelo de organização social capaz de preencher as duas condições citadas pelo relator do novo Código Florestal, quais sejam, de descentralização e criação de pequenas unidades conservacionistas. Infelizmente, por insensibilidade de ambientalistas que costumam impor sua ideologia ao Ministério do Meio Ambiente, foi decretado um parque nacional sobre a área da APA de Botuverá e de outros oito municípios vizinhos, o qual, além de inconstitucional e oneroso para o erário, se revelou um verdadeiro desastre ecológico e social.
(*) Presidente da Associação Conservacionista Acorda Brasil .
E-Mail : ACORDA_BRASIL@TERRA.COM.BR
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