Antenor Pereira Giovannini (*)
Era de se esperar que parte da sociedade reagisse de forma indignada diante da palhaçada criada no Supremo Tribunal Federal ao julgar a constitucionalidade e a imediata aplicação da lei que foi batizada de Ficha Limpa. Afinal, o que se discute é permitir ou impedir que sujeitos tidos e havidos como corruptos e infratores assíduos de regras morais, possam continuar a gozar das benesses de um cargo eletivo no Brasil, o que corresponde ao ideal de boa vida mais do que ansiado por uma gorda fatia da sociedade. E essa indignação é saudável, é um sopro de esperança diante da perspectiva desoladora que tem tomado conta da sociedade deste triste país. Significa que, embora em flagrante minoria, há uma parcela de gente que ainda se sensibiliza com a honra, com a honestidade, com a decência e que acredita que esse é o caminho e não o atalho obscuro que se tomou por estas bandas. Confesso que, no meu íntimo e como individuo, torci pra que a decisão do STF fosse ao sentido de reconhecer a chamada lei da Ficha Limpa desde já. Mas, infelizmente, depois de conversar com amigos advogados, sou obrigado a reconhecer que a questão é muito mais profunda do que a nossa indignação.
Tenho rabiscado muito que, neste triste país sobram leis, mas falta à sociedade um mínimo de cultura de respeito à lei. Uma imensa maioria não sofre o menor constrangimento em violar regras, desde que, com isso, se dê bem. Diante de um mínimo estorvo que a lei possa trazer ao interesse individual, pessoal, coloca-se a lei de lado. E, ao mesmo tempo, por aqui as leis são vistas como mecanismos mágicos que, pela sua simples existência, funcionam como varinhas de condão e resolvem problemas magicamente. Uma esmagadora maioria não consegue ver a lei como instrumento técnico de uma ordem jurídica.
Antes de qualquer coisa, as leis são, na realidade, comportamentos sociais que, por serem tão ampla e fortemente aceitos e praticados, ganham forma de obrigação formal e maneiras de punir quem as desrespeita. As leis, portanto, têm que ser reflexo da sociedade. Mas, para que isso funcione, as leis têm que observar preceitos e técnicas jurídicas que, diferentemente do que se alega de maneira leviana, não são filigranas, mas, muito ao contrário, são verdadeiros dispositivos de segurança para a ordem social.
Pelos meados do século XVII um filósofo e jurista chamado Cesare Bonesana, conhecido como Marques de Beccaria, introduziu no pensamento jurídico um princípio de estabelecia que nenhum fato poderia ser considerado crime sem uma lei que assim o definisse antes.
E tampouco alguém poderia ser julgado e condenado pela prática de um crime sem que houvesse uma lei antes definindo que o ato praticado era, previamente, considerado crime por lei de conhecimento de todos. Isso pode soar absurdamente óbvio a ponto de causar espanto. Importante ressaltar que a menos de 300 anos, era exatamente assim que as coisas aconteciam. Uma autoridade civil, militar ou eclesiástica decidia que determinada prática era criminosa e quem a tivesse praticado era preso, julgado e condenado mesmo sem que tal prática fosse, previamente, tida como crime e, portanto, que o acusado pudesse saber disso. A partir dessa criação da filosofia jurídica um novo estado de direito começou a florescer.
E a lei da Ficha Limpa? Segundo os entendidos em leis o que está sendo discutido e avaliado pelo Supremo Tribunal Federa é se estabelecer que os políticos que tenham renunciado aos seus mandatos para fugir de processo de cassação não posam se candidatar mais. Sob o ponto de vista moral, tem um enorme apelo. No entanto, no momento em que o político optou por renunciar ao mandato para fugir do processo de cassação, essa conseqüência de não poder mais se candidatar não existia. Ao contrário, a regra, sem dúvida indecente, indecorosa, imoral, era no sentido oposto, ou seja, renuncie a vontade, pois não há problemas depois. Ora, esse era o ordenamento jurídico, essa era a regra legal. Pretender que o político, agora, sofra uma punição por um ato que não era considerado infração, equivale a permitir que a lei retroaja. A lei não é retroativa.
O fato de o julgamento ter terminado empatado deveria ter muito mais indignação do que efetivamente houve. Isso porque o Supremo Tribunal Federal é formado por 11 ministros. O número ímpar é, exatamente, para que não haja empate, No entanto, como um deles se aposentou, seria preciso indicar um substituto para preencher a vaga e manter a composição de 11 membros. Mas isso não foi feito até agora. Isso, sim, é um descaso odioso, uma enorme falta de respeito para com a composição e funcionamento da mais alta corte de justiça do país. Isso é transformar o Supremo Tribunal Federal numa repartiçãozinha meramente burocrática e sem a menor importância. Infelizmente, uma grande parte das coisas é feita sem um mínimo de seriedade e respeito
E, em adição a tudo isso, há, a meu ver, um ponto ainda mais importante: esse tema não deveria ter que ser tratado por lei. É uma questão de consciência. Não deveria ser necessária lei alguma para que não se votasse em sujeitos desonestos, safados, desqualificados. Mas, não é assim que as coisas acontecem por aqui. O brasileiro não dá a menor importância a isso tudo, ou, ao menos a grande maioria. Argumenta-se que o projeto, de origem popular, teve quase dois milhões de assinaturas. Ora, o país tem cerca de duzentos milhões de habitantes. O Tribunal Regional Eleitoral (TSE) anunciou recentemente que 135,8 milhões de brasileiros estão aptos a votar nas eleições deste ano. Esse é o colégio eleitoral em 2010. O que são dois milhões de almas? Não representa a vontade popular. Além do mais, as pesquisas estão aí para indicar que os candidatos com fichas sujas lideram as intenções de voto em diversas localidades.
Que importância a sociedade brasileira está realmente dando a essa discussão sobre ficha limpa ou ficha suja.
Como qualquer sujeito que preza a ética, a moral, a linha de conduta, caráter e a honestidade, eu ainda torço para que o STF encontre fundamentos jurídicos para concluir pela imediata aplicação da Lei Ficha Limpa e, em conseqüência, se impediça que ao menos alguns desses desqualificados se candidatem. Mas, para ser bem sincero confesso que não vou ficar feliz, se a decisão não for muito bem fundamentada porque será mais uma violação aos princípios jurídicos e isso, para a sociedade e para as instituições democráticas, é muito ruim. Isso enfraquece mais e mais o organismo social e político e deixa tudo nas mãos da canalhada.
Mas, como já disse um poeta: de tudo fica um pouco. E, neste caso, fica o alento de se saber que existe uma reserva moral que ainda acredita na limpeza do país, no saneamento da moral social. Isso está traduzido na indignação de uma parcela da população.
Ela, provavelmente, está muito longe de representar maioria, mas indica que temos solução. É uma questão de tempo e de não desanimar com o sucesso incontrolável da falta de compostura que tomou conta desta terrinha. A essa parcela eu me rendo, presto minhas homenagens e deixo minha profunda gratidão por manter acesa a chama.
(*) Aposentado, agora comerciante . Morador em Santarém (PA)
Alo alo....
ResponderExcluirSó para completar, o dono do castelo será reeleito para o quarto mandato. ue beleza.
Abç forte !
Caro Anderson - Obrigado por essa audiência constante .
ResponderExcluirSei que para um corintiano autêntico é duro abrir um blog de um palmeirense. Por isso meu muito obrigado.
E se você me diz que o dono do castelo será reeleito o que eu posso fazer ... Que se rasgue o texto dessa tal de Ficha Limpa !!!!
Abraços
Rabiscos do Antenor