Plano de regularização na Amazônia vende terras a R$ 2,99 o hectare
Tabela de preços que permite descontos superiores a 80% foi definida pelo governo após lobby ruralista; meta do Planalto é legalizar cerca de 50 mil posses irregulares.
Um pedaço de terra pública na Amazônia pode custar R$ 2,99 por hectare (a dimensão de um campo de futebol) ao atual ocupante, de acordo com a nova tabela de preços definida pelo governo. Até o fim deste ano eleitoral, a meta é regularizar 50 mil posses irregulares na região. O preço mais barato dos terrenos foi objeto de intenso lobby ruralista.
Portaria do Ministério do Desenvolvimento Agrário, publicada no Diário Oficial, definiu descontos aos candidatos a títulos de terras na Amazônia por meio do programa de regularização fundiária.
O programa Terra Legal começou a cadastrar os candidatos aos títulos em junho do ano passado. De acordo com simulações de preços a que o Estado teve acesso, um terreno de 200 hectares no município de Manoel Urbano, no Acre, poderá ser vendido ao atual ocupante por menos de R$ 600, a serem pagos em 20 anos em parcelas anuais, com três anos de carência e juros de 1% ao ano.
Neste caso, o hectare terá desconto de mais de 80% e sairá por R$ 2,99.
O preço pode ser ainda menor, caso o terreno ocupado irregularmente esteja mais distante da sede do município e não seja acessível por estrada permanente, calcula Carlos Guedes, coordenador do Programa Terra Legal. Acessíveis. Guedes apresentou anteontem a nova tabela de preços ao Tribunal de Contas da União (TCU) e a procuradores do Ministério Público.
As simulações levaram em conta terrenos ocupados há cerca de 15 anos, localizados a mais de 50 km da sede do munic ípio e acessíveis por estradas permanentes. Os descontos em relação ao valor mínimo da terra sem benfeitorias na região estabelecidos por tabela do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) variam de 54,50% e 83,40%, segundo as simulações sobre as novas regras de cálculo do preço da terra.
Os descontos maiores beneficiam quem ocupou até dezembro de 2004 terrenos públicos menores, de até dois módulos fiscais. O tamanho do módulo varia entre os municípios.
Na Amazônia, os módulos podem ter de 60 a 100 hectares. Um terreno de 1.350 hectares no município de Nova Ubiratã, no Mato Grosso, será vendido por R$ 638.820, de acordo com as novas regras do programa, que também alcançarão os primeiros 276 ocupantes de terras públicas que já receberam títul os de terras na Amazônia.
O mais recente balanço do programa Terra Legal, divulgado no início do mês, indica que a maioria dos ocupantes de terras já cadastrados receberá títulos de propriedade sem pagar nada. Eles ocupam atualmente pouco mais de 1,4 milhão de hectares da Amazônia em terrenos de até um módulo rural. Isso equivale a 19% do total de terras cujos ocupantes já foram cadastrados pelo governo. O programa de regularização fundiária prevê a venda sem licitação de terrenos com até 1.500 hectares.
O balanço do Terra Legal mostra que é maior a fatia de terras públicas entre 4 e 15 módulos a caminho da regularização - 40,8% da área já cadastrada - do que os terrenos menores, de até quatro módulos, atribuídos à agricultura familiar, que somam 35,1% da & aacute;rea cadastrada. O balanço registra ainda o cadastramento de 33 candidatos à regularização cujos terrenos extrapolam o limite de venda de terras públicas fixado pela Constituição, de 2,5 mil hectares. Eles ocupam 165 mil hectares da Amazônia.
E deverão ter as terras retomadas pelo Estado, de acordo com as regras do Terra Legal.
Até a terça-feira, 25, haviam sido cadastrados pouco mais de 72 mil candidatos no programa de regularização fundiária. Eles ocupam área pública de pouco mais de 8 milhões de hectares. Isso equivale à terça parte do território do Estado de São Paulo. Derrota.
O programa de regularização fundiária foi aprovado no ano passado pelo Congresso.
Foi alvo de críticas de ambientalistas e ruralistas.
Os ambientalistas temiam que a doação ou a venda de terras p úblicas a preço baixo poderia estimular ainda mais o desmatamento. Os ruralistas defenderam preços ainda mais baixos, mas saíram derrotados na votação final. Essa derrota foi revertida agora, pelo menos parcialmente.
Para o governo, o principal objetivo do programa é combater o desmatamento na Amazônia. O governo alega que não tem como punir por desmatamento irregular terras irregularmente ocupadas. Por meio da regularização, seria possível punir quem abater a floresta. A grilagem de terras na Amazônia é um dos resultados da ocupação desordenada da região, estimulada pelo regime militar, sobretudo no início dos anos 70.
Nos documentos levados ao TCU anteontem, a coordenação do Terra Legal aponta risco de fracasso da regularização fundiária caso o preço da terra não fosse reduzido.
As considerações das decisões apresentadas não incluem eventuais pressões em ano eleitoral. Se limitam ao risco de inadimplência e desinteresse daqueles que ocuparam terras públicas sem pagar por elas quando se deparassem com a conta agora.
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