Opinião do Estadão
O presidente Lula poderia ter simplesmente vetado, há vários dias, o aumento de 7,7% para aposentadorias e pensões superiores a um salário mínimo, se quisesse levar em conta só as preocupações financeiras de seus ministros da Fazenda e do Planejamento. Mas ele pediu a ambos novos estudos sobre as contas públicas antes de anunciar sua decisão. Quer saber, portanto, se não haveria um jeito de acomodar no Orçamento a despesa adicional. Parece ter vacilado, ao avaliar o custo do veto ? uma decisão politicamente difícil em qualquer circunstância e ainda mais em ano de eleições.
Pessoas envolvidas na campanha da pré-candidata Dilma Rousseff, segundo se apurou em Brasília, recomendaram ao presidente que aceite o aumento aprovado pelos congressistas.
Os novos cálculos foram encomendados ao setor financeiro do governo na quarta-feira. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reafirmou publicamente sua avaliação: não está sobrando dinheiro, apesar do superávit de R$ 16,5 bilhões contabilizado em abril pelo governo central.
O resultado, argumentou, varia de um mês para outro, está dentro do esperado e a arrecadação prevista para o ano bastará apenas para se alcançar a meta fiscal de 2010. O objetivo fixado para o ano é um superávit primário equivalente a 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse dinheiro será destinado ao pagamento de juros e, portanto, à contenção da crescente dívida pública federal.
O aumento defendido pelos ministros da área financeira ? 6,14% para as aposentadorias maiores que um salário mínimo ? vem sendo pago desde o começo do ano e está incorporado nas projeções das contas públicas.
Se esses cálculos estão certos, a elevação de 7,7% prejudicará o equilíbrio fiscal e tornará mais complicada a condução da política econômica. Segundo o ministro da Fazenda, essa decisão, além de afetar as finanças públicas, tornará mais difícil conter o consumo e limitar o aquecimento da economia. Por isso, diante da hipótese de o presidente sancionar os 7,7%, o ministro mencionou a possibilidade de novos cortes em outras despesas.
O governo já havia anunciado o congelamento de R$ 21,8 bilhões no fim de março e um novo corte de R$ 19 bilhões na semana passada. As decisões foram tomadas, segundo a explicação oficial, para ajustar a programação de gastos à receita prevista.
A Lei de Responsabilidade Fiscal determina a avaliação bimestral da execução orçamentária. Quando os novos dados e projeções indicam uma receita menor que a anteriormente prevista, o governo deve comprimir a despesa. Os dois cortes, portanto, resultaram de uma obrigação legal. O governo poderá mudar a decisão, se as próximas avaliações apontarem um desempenho orçamentário melhor. Os dois cortes, portanto, não foram destinados propriamente a limitar o aquecimento da economia.
Além disso, a nova projeção da receita foi provavelmente subestimada, segundo avaliação de economistas do setor privado.
No mercado financeiro e nas consultorias independentes, o crescimento econômico projetado para o ano continua na faixa de 6% a 7%. Segundo a informação oficial, o governo baseou seu cálculo de arrecadação numa hipótese de crescimento de 5,5% do PIB e há quem fale no uso de um número menor, 5,2%.
Os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o traíram, no Congresso, ao defender com objetivos obviamente eleitorais um aumento bem maior para as aposentadorias do que o proposto pelo governo. A oposição apoiou esse jogo para ver o presidente em xeque. Ele teria de escolher entre um ato de imprudência fiscal ? se as contas dos ministros estivessem certas ? e uma decisão politicamente custosa. Vetados os 7,7%, perderia vigor também o aumento de 6,14%, eliminado do texto emendado pelos congressistas.
Teria sido uma jogada brilhante, se a oposição pudesse reivindicar sua autoria. Mas quem pôs em xeque o presidente foi a base aliada.
Esse episódio comprova, mais uma vez, a urgência da reforma política.
Governar bem é quase impossível, quando se depende de alianças num sistema partidário como o brasileiro.
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