Opinião do Estadão
Mais uma vez tratando de problemas importantes em tom de demagogia eleitoral, o presidente Lula aproveitou a sessão de encerramento da Marcha dos Prefeitos para anunciar outro "Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack". Há cerca de 600 mil pessoas no País viciadas na droga, segundo estimativa do Ministério da Saúde, e o último plano para combatê-la foi anunciado em junho do ano passado, quando o governo prometeu ? e não cumpriu ? dobrar o número de leitos para dependentes químicos em hospitais do SUS. Atualmente, a rede do SUS mantém 2,5 mil leitos para viciados em drogas.
Lula anunciou aos prefeitos que o objetivo do novo programa de combate ao crack é aproximar os viciados dos serviços de saúde, mediante o aumento ? nas áreas consideradas mais vulneráveis das cidades com população superior a 400 mil habitantes ? do número de consultórios de rua e de pontos de acolhimento de usuários, onde eles podem comer, tomar banho e descansar.
Criados no final do ano passado, os consultórios de rua contam com assistentes sociais, psicólogos e enfermeiros que fornecem orientação sobre tratamentos e oferecem cuidados básicos em locais onde os viciados em crack se reúnem. Estão previstos também novos Centros de Atenção Psicossocial e a transformação dos 110 Centros já existentes em unidades abertas durante as 24 horas do dia. O governo anunciou ainda que construirá 60 abrigos para receber usuários de crack "em situação de risco", ou seja, ameaçados por traficantes, onde poderão permanecer de 30 a 40 dias.
O discurso do presidente Lula é indissociável da campanha da pré-candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff. Desde o Dia das Mães ela vem tratando do tema em eventos pré-eleitorais. O combate ao crack também foi por ela abordado nas últimas inserções publicitárias do PT e de outros partidos da base aliada, no rádio e na TV. "Estou muito preocupada com o crack. Ele mata, é muito barato e está entrando em toda periferia e em pequenas cidades", diz a ministra nessas inserções, depois de prometer enfrentar "essa ameaça com autoridade, carinho e apoio".
Em seu discurso aos prefeitos, Lula afirmou: "O crack é uma coisa ainda nebulosa. O que a gente sabe é que o crack não é uma droga de rico, é uma droga mais para pobre. E a gente sabe que ela está sendo utilizada não nos grandes centros urbanos, está sendo utilizada nas pequenas cidades, inclusive com criança em escola", afirmou o presidente, depois de prometer que, quase ao término de seu mandato, irá "jogar duro" contra narcotraficantes ? o que não fez em sete anos e meio de governo.
A exemplo de projetos que foram recentemente anunciados pelo MEC, como a criação de um exame nacional único para seleção de professores para as redes municipais e estaduais de ensino básico, o plano de combate ao crack é mais uma iniciativa elaborada às pressas, com o objetivo de render dividendos eleitorais, sem nenhuma garantia de que será posto em prática pelo atual e pelo próximo governo.
Encomendado em abril ao chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Jorge Armando Felix, o plano prevê gastos de R$ 400 milhões, ainda este ano, em ações de prevenção, tratamento de usuários de crack e repressão ao tráfico. No entanto, várias ações semelhantes, que foram anunciadas no ano passado, até hoje não saíram do papel por falta de dotação orçamentária.
O ministro da Segurança Institucional reconhece que "não há grandes novidades" entre o plano anunciado pelo presidente Lula na Marcha dos Prefeitos e as medidas que o governo já havia anunciado para o setor há menos de um ano. As únicas novidades, diz ele, são "a intensificação dos esforços e o afluxo de mais recursos para podermos fazer as coisas melhor, mais depressa e mais integrados".
O consumo de crack tem um efeito devastador na sociedade, que só será contido por meio de uma política mais articulada do que a anunciada por Lula no comício dos prefeitos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário