segunda-feira, 24 de maio de 2010

Teste Nuclear

Eliane Cantanhêde (*)

Apesar de o embaixador americano, Thomas Shannon, tentar passar panos quentes e dizer que não, a questão do Irã provocou um confronto direto e aberto entre Brasília e Washington.
Enquanto o presidente Lula, o chanceler Celso Amorim e o assessor Marco Aurélio Garcia tentam comemorar o acordo com o Irã e com a Turquia para a troca de urânio levemente enriquecido por combustível, o presidente Obama e a secretária de Estado, Hillary Clinton, mobilizam o Conselho de Segurança da ONU para ignorar o acordo e impor uma nova rodada de sanções ao regime iraniano.

O momento é de imensa tensão. Se os EUA conseguiram o apoio incondicional de França e Inglaterra, o Brasil ainda se esforça para impedir as sanções acionando os dois outros membros do Conselho: Rússia e China, que são considerados por Hillary como votos pró-sanções e por Amorim como votos contra elas. O mundo aguarda ansiosamente o posicionamento dos russos e chineses, diretamente, sem intermediários e interpretações.
Durma-se com um barulho desses, e em cima de um perigo nada desprezível: a decisão do Irã de construir, ou não, a bomba atômica. Já imaginou um Kamenei e um Ahmadinejad com um artefato desses nas mãos? Não apenas o Oriente Médio, mas todo o mundo estaria numa zona de risco incalculável.

O acordo Irã-Brasil-Turquia, como não cansa de repetir Amorim, foi pautado nos termos que os próprios EUA e seus seguidores propuseram aos iranianos no final do ano passado. Naquele momento, deu em nada. Agora, com a intervenção brasileira, avançou.
O problema, como diz Hillary Clinton, está em duas questões não especificados nos termos do acordo: a possibilidade de inspeções da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), ponto fundamental de segurança; e a declaração (ameaça?) de um ministro iraniano de que, com acordo ou sem acordo, o Irã continuará enriquecendo urânio a 20%. Ou seja, dando o dito pelo não dito e cristalizando a sensação de que o acordo é acessório, mas não elimina a ameaça de bomba.

Como disse o embaixador Shannon, que está no meio do furacão, o esforço brasileiro tem méritos, mas o resultado "é insuficiente" para eliminar dúvidas e temores.
O Brasil se meteu nessa pela ânsia de ocupar um lugar de liderança no cenário internacional e acabou batendo de frente com os Estados Unidos. Será que o objetivo era brigar com os grandes para se sentir um deles?

(*) Jornalista colunista da Folha de São Paulo desde 1997

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