Opinião do Estadão
Direito de todos e dever do Estado, como garante a Constituição promulgada há quase um quarto de século, o adequado atendimento por programas públicos na área da saúde ainda não passa de mera aspiração para a grande maioria dos brasileiros. Embora a Constituição determine que esse direito deve ser assegurado por meio de políticas sociais e econômicas que reduzam o risco de doenças e estabeleça também que todos os cidadãos devem ter acesso a atendimento integral no campo da saúde, poucos brasileiros dispõem de serviços com um mínimo de qualidade. Criado para assegurar o cumprimento das normas constitucionais no campo da saúde pública, o Sistema Único de Saúde (SUS) consegue atender de maneira adequada menos de 2% da população. Em praticamente três quartos dos municípios o serviço pode ser considerado razoável. Em 20,7%, é ruim.
Este retrato da baixa qualidade do atendimento pelo SUS, baseado em estatísticas e dados de diferentes procedências, foi feito pelo próprio governo. As mazelas nesse campo, apontadas ou sugeridas pelo novo indicador criado pelo Ministério da Saúde, desmentem a afirmação megalômana feita há cinco anos pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que "não está longe de a gente atingir a perfeição no tratamento de saúde neste país".
Essa perfeição, infelizmente, continua muito distante de milhões de brasileiros.
Para avaliar os serviços prestados pelo SUS, o Ministério da Saúde criou o Índice de Desenvolvimento do SUS (IDSUS), baseado em 24 quesitos que avaliam, entre outros pontos, o acesso aos serviços, a população atendida pelas equipes básicas de saúde, a abrangência de ações como as ligadas à saúde bucal e à aplicação de vacinas em crianças com até 1 ano de idade. Também é avaliada a qualidade dos serviços. Por ser difícil de avaliar, o estudo não considera o tempo de espera pelo atendimento.
De uma escala que varia de 0 a 10, a média do País ficou em 5,47. É como se tivesse sido aprovado na tangente. É uma nota muito ruim tanto tempo depois de instituído o SUS. Não é apenas a média nacional que mostra um país no qual a saúde da população não anda bem. São imensas as disparidades da qualidade de serviços entre regiões e, dentro delas, entre alguns municípios e os demais.
Do total de 5.633 municípios, apenas 6 (ou 0,1%) registraram índice igual ou superior a 8, e 341 (ou 6,1%) tiveram índice entre 7 e 7,9. Somente esses 347 municípios, todos localizados nas Regiões Sul e Sudeste e nos quais vive 1,9% da população do País, podem ser considerados bem atendidos pelo sistema de saúde pública. Na outra ponta da classificação, com nota entre 0 e 4,9, estão 1.150 municípios (20,7% do total), que abrigam 27,1% da população do País. No meio (nota entre 5 e 6,9) estão os demais municípios.
Para evitar comparações entre municípios com características diferentes, o estudo os dividiu em seis grupos, de acordo com seu desenvolvimento econômico, as condições de vida e a estrutura dos sistemas de saúde. O primeiro grupo, por exemplo, que dispõe de melhor infraestrutura e melhores condições de atendimento à população, é formado por apenas 29 municípios. Dos grupos 5 e 6, que não dispõem de atendimento de ponta na área de saúde, fazem parte 4.221 municípios.
O Índice é um importante instrumento para orientar os administradores públicos da área de saúde. "A cultura da avaliação não tem que ser um temor, mas um fator constitutivo do Sistema Único de Saúde", disse com sensatez e realismo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. "O SUS não pode temer ser avaliado nem que essa avaliação seja transparente para o conjunto da população."
Dele, no entanto, discorda acidamente o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que considerou o IDSUS inútil e impertinente. "Poucas vezes na vida vi irresponsabilidade tão grande cometida por um órgão federal", reagiu o prefeito carioca ao saber dos resultados do IDSUS. Das maiores cidades brasileiras, o Rio obteve a pior nota (4,33). Parece que certo tipo de administrador público prefere ignorar a extensão dos problemas que tem de enfrentar.
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