Antero Greco (*) para O Estado de S.Paulo
Foi muito rápida a transição. Em um ano e tanto, Ronaldo deixou para trás imagem e espírito de boleiro - abdicara do físico atlético bem antes - e entrou de cabeça no mundo da cartolagem. O convívio mais estreito com os donos do poder cativou o artilheiro; os patrões agora são parceiros de negócios. O astro de ontem dá a entender que os vislumbra, num futuro nada remoto, como aliados em aventuras na política esportiva.
Ronaldo parece confortável a desempenhar o papel de dirigente - ou pelo menos já se acredita como tal. O pouco tempo como executivo do Comitê da Copa e as mudanças que ocorreram na CBF fizeram com num instante adequasse para si a máscara de gestor. E, pelo visto, aposta em processo acelerado para levá-lo ao topo. A ponto de não descartar candidatura à presidência da entidade, conforme admitiu à Folha de S. Paulo.
A ambição de Ronaldo não é ilegítima, não se trata de delírio nem tolice. Levantar voo move a humanidade desde sempre. Com a intuição de craque, notou a brecha para enveredar firme pelo caminho do comando do futebol. Tem como inspiração Michel Platini e Franz Beckenbauer, artistas exímios dentro e fora de campo. O francês manda na Europa e pavimenta caminho para a Fifa.
A questão é: o que esperar de Ronaldo, se for aceito de fato no círculo restrito dos mandachuvas e vier a presidir a CBF? A julgar pelo que diz no momento, seria melhor idealistas tirarem o cavalo da chuva. O Fenômeno faz parte do sistema, não é contestador, não corre por fora, não emergiu como opção à mentalidade reinante. É jovem, em comparação com tantos cabelos brancos ou ralos a rodeá-lo. Mas, salvo engano, tão velho quanto eles na maneira de agir e pensar.
Ronaldo chegou ao COL para servir de anteparo a um dirigente que caía em desgraça, que escorregava ladeira abaixo sem volta. O ex-todo-poderoso apelou para o carisma do ídolo para ficar à sombra, usou-o descaradamente. Ronaldo viu as portas do poder se abrirem de uma hora para outra, apesar do padrinho nada recomendável e com rejeição popular não dedicada nem ao mais corrupto dos políticos. E, pelo menos em público, não se sente desconfortável com isso. Ao contrário, mais de uma vez ressaltou as façanhas do chefe proscrito, considera que fez um grande trabalho.
A ascensão de Ronaldo não é consequência de movimento revolucionário no esporte. Não despontou como porta-voz de seus ex-companheiros de profissão, não cativou a base. A impressão é a de que a admissão nesse universo lhe surgiu como dádiva daqueles que mandam - e continuarão a dar as cartas. Terá Ronaldo consciência disso?
Nas declarações à Folha, assim como em outras ocasiões, não manifesta desconforto por integrar o COL e também ser empresário ligado a negócios esportivos. Crê que uma atividade caminhe paralelamente à outra. No futuro, se presidir a CBF, como reagirá, numa situação em que estiverem envolvidos clubes e jogadores que tiver como clientes particulares?
Ronaldo fala genericamente em mudanças, sem especificar quais seriam. Passa de raspão em processo de fortalecimento dos clubes. Sua visão, fruto de quem construiu carreira fora do Brasil, o leva a insistir na necessidade de Neymar ir embora para ganhar projeção, em vez de usar a permanência do santista como bandeira e ponto de partida para a guinada.
Talvez Ronaldo se prepare e venha a corresponder às expectativas de quem anseia por reviravolta no nosso futebol. Por ora, é cópia de estilo corroído que se deseja ver banido.
(*) Jornalista esportivo é colunista do jornal O Estado de São Paulo
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