Revista Isto É Independente
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, ficou conhecido como o engavetador de processos e denúncias contra políticos e gente graúda. Nas suas mãos, tudo parava e a sensação era a de que quem tinha poder jamais se tornaria réu. Nove anos se passaram desde que Brindeiro deixou o cargo, mas o enredo de lentidão – e consequente impunidade – nos processos se repete. Agora sob o comando de Roberto Gurgel, o Ministério Público Federal volta a ser visto como um obstáculo ao desfecho das ações penais. A diferença entre o procurador escolhido por FHC e o indicado pela presidenta Dilma Rousseff está na forma de agir. Enquanto o primeiro arquivava os inquéritos sem constrangimentos com uma simples canetada, Roberto Gurgel fica inerte diante das acusações encaminhadas pela Polícia Federal. No caso relacionado ao senador Demóstenes Torres (DEM-GO), Gurgel só agiu depois de pressionado pela opinião pública.
Na mesa do procurador-geral da República estão parados 4.346 processos. Entre eles, ações movidas pela PF contra pelo menos dois governadores e uma dezena de parlamentares. Um dos processos envolve o governador Pedro Dias (PP), do Amapá. Em setembro de 2010, a Operação Mãos Limpas levou-o para a cadeia sob a acusação de chefiar um esquema de desvio de recursos públicos. A operação vai completar dois anos sem que Gurgel sequer tenha oferecido denúncia contra a suposta quadrilha comandada por Dias. No Distrito Federal, o ex-governador José Roberto Arruda também segue a vida com tranquilidade graças à inação da procuradoria. Em novembro de 2009, um vídeo no qual Arruda aparecia recebendo R$ 50 mil resultou na prisão do político do DEM, que tinha índices de apoio popular que beiravam os 80%. Arruda perdeu o cargo, o partido e a liberdade por dois meses. Hoje, mais de dois anos depois, o símbolo do esquema que abalou o GDF ainda não sofreu nenhuma acusação formal pelo Ministério Público.
A lista de políticos que se beneficiam com o engavetamento dos processos não se restringe a quem Gurgel deixa de denunciar. Parlamentares réus em ações ou que respondem a inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) ganham tempo quando os casos chegam ao Ministério Público para análise do procurador-geral. A senadora Marta Suplicy (PT-SP) é um dos exemplos. Desde agosto do ano passado, um processo que investiga a participação da ex-prefeita de São Paulo em fraudes em licitações está parado no MP. O procurador também não analisou a ação que acusa o senador Romero Jucá (PMDB-RR) de crime de responsabilidade e a que denuncia o senador Lobão Filho (PMDB-MA) por formação de quadrilha e uso de documentos falsos.
A importância do procurador-geral para o andamento de processos contra autoridades foi sintetizada pelo ministro Ayres Britto em 2011 ao julgar um pedido feito por Gurgel para arquivar uma ação envolvendo o senador Valdir Raupp (PMDB-RO). “Nos casos de crime ensejador de ação penal pública, quando o chefe do Ministério Público Federal se pronuncia pelo arquivamento do inquérito ou de quaisquer peças de informação, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que tal pronunciamento é de ser acolhido sem possibilidade de questionamento”, escreveu Ayres Britto. Exatamente pelo motivo apontado por Ayres Britto, a conduta do atual procurador tem causado celeuma nos bastidores do STF. Ministros reclamam que os mais de quatro mil processos paralisados no gabinete de Gurgel atravancam as investigações.
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