Rodolfo Lucena (*)
Dias desses, corria pelas avenidas do mundo quando encontrei uma colega de outros carnavais. Ela também corria, as faces vermelhas, um braço ajudando o movimento, o outro segurando a bolsa com pertences essenciais. Sorrisos, cumprimentos e, tempos depois, recebi dela uma mensagem em que pedia dicas sobre corrida.
Achei as perguntas muito boas, mas as respostas estavam completamente fora de minha alçada. Tratei de consultar alguns especialistas, pois imaginei que a questão pudesse interessar não apenas à consulente mas a uma boa parcela do leitora deste blog.
Em essência, trata-se do seguinte: uma mulher madura, na menopausa, que não faz reposição hormonal e tem sobrepeso, pode correr?
Ela fez a pergunta com mais detalhes: “Estou bem acima do peso, com 94 kg e meço 1,70 m. Há um ano faço musculação. Desde maio, três vezes por semana, com fortalecimento para as pernas, joelhos, braços etc. Uso caneleiras de 5 kg e levanto como se fosse manteiga. Duas a três vezes por semana, caminho 6 km em uma hora. Já iniciei programa de corrida e cheguei a correr 3,5 km. Ontem corri 2 km e hoje 2,4 km, quando te encontrei. Bom, terminado o contexto, vamos à pergunta: com esse peso, posso continuar correndo para chegar a 5 km? Ou é melhor perder peso primeiro? Detalhe, estou com 51, anos, na menopausa e sem reposição hormonal. Ou seja, está difícil pracas perder peso, mesmo com dieta equilibrada. E perco poucos kg em um mês. Só dois. Continuando as perguntas que não calam: posso continuar correndo com peso acima da média? E meus joelhos? Vão sofrer muito com o impacto? O que diria seu ortopedista? Ou os ortopedistas que você entrevista? Abraços e força para as gordinhas!!!! Bora correr!”
Como você pode ver, ela está entusiasmada com a corrida, mas tem um monte de dúvidas, todas bem pertinentes. Mandei seu questionamento para alguns especialistas. Cada um deles observou o caso sob seu ponto de vista. Cabe a cada corredor analisar a sua situação individual.
Sem mais delongas, vamos às respostas.
Começo com o fisioterapeuta Marcelo Semiatzh, especializado em reeducação postural e no estudo do movimento, cocriador do método Força Dinâmica.
Ele diz o seguinte:
“No meu ponto de vista, a decisão de continuar a correr ou não é da própria pessoa. A questão são os riscos.
“Com essa estrutura corporal, sua corrida será lenta, ou seja, com mais apoio e menos propulsão, levando o corpo a uma maior carga antigravitacional, forçando os tendões, ossos e ligamentos do corpo. Seria mais adequado se prolongasse a atividade aeróbia com uma caminhada mais intensa, que privilegie mais a propulsão do corpo. Com isso, você poderia fazer mais tempo de atividade com menos riscos para o corpo.
“O risco de aplicar cargas intensas num período de menopausa está relacionado com questões cardiovasculares e ósseas, como fraturas de estresse em regiões como joelho (platô tibial), articulação do quadril (colo do fêmur e acetábulo), coluna, canela e pé.
“Não estou querendo ser chato e pessimista, mas tenho visto aumentar o número de casos dessas fraturas. Outro dia num curso que demos uma senhora um pouco mais velha e com esse mesmo perfil me procurou para dizer que ela estava muito feliz por ter começado a correr, mas que tinha ocorrido uma coisa rara com ela, uma fratura do platô tibial no joelho.
“Eu disse a ela que antigamente senhoras de 50 anos não começavam a correr. Isso tem sido mais frequente e por isso vamos passar a ver essas ocorrências com mais frequência. O que estou querendo dizer é que a carga tem que ser mais adequada a cada corpo para evitar as lesões.
“É possível, sim, uma pessoa com 50 anos correr, mas primeiro vamos emagrecer, controlar a osteoporose, regular a alimentação. Volte a caminhar, suplemente corretamente e aí, sim, com calma, aumente a carga.
“Com relação ao treino de força, ao invés de subir a carga, diminua, aumente o número de repetições e controle o tempo das pausas para melhorar a força das fibras que realmente ajudarão no treino de caminhada ou de corrida.”
Agora, vamos à resposta de uma treinadora especializada no trabalho com mulheres, Cristina de Carvalho, que também é atleta de ponta em provas de resistência –sua dupla venceu a última edição da ultra em etapas Cruce de Los Andes. Eis o que ela diz.
“Correr é parte do nosso padrão motor e portanto podemos praticar em qualquer idade ou peso se os exames médicos de rotina estiverem em dia. No caso dessa corredora, é importante um exame de densitometria óssea, exame de sangue, de esforço ou cardiovascular e outros que o médico julgar necessário. Se os exames médicos permitirem, você poderá correr no dia seguinte sem nenhum problema.
“Se assim for, o importante é você correr com passadas curtas, baixas e sem pressa enquanto estiver mais pesada para minimizar o impacto do movimento da corrida e evitar sobre carga em seus joelhos.
“Ainda tem que buscar como ponto de apoio de suas passadas a parte dianteira dos pés, anulando o peso sobre seus calcanhares e projetando seu tronco à frente de seu corpo de forma que sua musculatura seja mais envolvida como padrão motor desse deslocamento.
“Uma boa dica para você evitar sobrecarregar seus joelhos é ficar o menor tempo possível em contato com o solo, ou seja, imagine um chão pegando fogo e tente por e tirar seus pés do chão o mais rápido possível sem que implique em velocidade e sim em menor contato possível com o solo. Vai cansar mais rápido, no entanto, minimiza o tempo que seu peso será sustentado pelos seus joelhos.
“Agora, lógico que dor é alarme de segurança. Portanto, se doer, caminhe ou intercale dias de descanso até seu corpo permitir mais um dia de treino sem dor. As principais lesões ocorrem pela negligência em relação aos primeiros sintomas. Por isso, é importante ter responsabilidade e recuar sempre que necessário.
“Sobre perder peso, saiba que o metabolismo a partir dos 40 anos muda constantemente e a queda hormonal complica muito a disposição de nosso corpo. Atividade física mais alimentação balanceada é o caminho certo; no entanto essa relação terá que ser amadurecida diante das novas necessidades e demandas de seu organismo. Tudo indica que precisamos de menos alimentos e muito mais qualidade, o que nem sempre conseguimos atingir sem suplementação específica. Se faltar uma simples vitamina, todo metabolismo pode ficar comprometido e preguiçoso, o que justifica a dificuldade de perder peso nessa idade. Acho superimportante ter um mediador, ou seja, um médico para avaliar melhor esse equílibrio.”
Falando em médico, concluo com a resposta do ortopedista Wagner Castropil, que também é corredor e foi judoca olímpico. Veja o que ele diz:
“Nossa leitora está com um índice de massa corporal (peso peso dividido pela altura ao quadrado) de 32,5, o que é bem acima do normal (25). A corrida com esse sobrepeso acarreta uma sobrecarga nas articulações (coluna, quadris, joelhos e tornozelos) que pode gerar lesões.
“O aconselhável para ela é chegar ao IMC de 29 para iniciar a corrida, o que no caso dela significa chegar ao peso de 84 kg. Para isso, sugiro que trabalhe com exercícios intervalados (na musculação ou aeróbios), mas sem impacto.”
Espero que as opiniões dos especialistas ajudem não só à consulente mas a muitos de nós que estamos um pouco –ou bem mais do que um pouco—acima do peso e queremos começar a correr ou continuar a correr. O importante é não se afobar, dar tempo ao tempo e trabalhar dentro das condições específicas de cada um. E aí, sim, como disse a leitora, “bora correr!”
(*) Ultramaratonista e Colunista do caderno \"Equilíbrio\" da Folha de São Paulo
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