domingo, 4 de março de 2012

Ele vale tudo isso ????

Flamengo paga R$ 14 milhões anuais para ter Ronaldinho

O Globo

Dia 9 de fevereiro de 2012, Engenhão. Ronaldinho perde um pênalti na apertada vitória sobre o Madureira. Dia 22 de fevereiro, semifinal da Taça Guanabara com o Vasco. O Flamengo sofre a virada. O que têm em comum as duas ocasiões? Em ambas, esperava-se que o astro, o carro chefe, o jogador a quem o Flamengo dedica altíssimo investimento, reagisse, buscasse o jogo com intensidade, liderasse. Não aconteceu. O desempenho e a conduta, somados à decisão do clube de arcar sozinho, sem parceiro, com todo o salário do astro, alimentam a discussão: Ronaldinho vale tamanho esforço?

Quando chegou, há 13 meses, ele custava ao Flamengo R$ 250 mil por mês — a Traffic pagava o restante. Os planos eram ousados: títulos, grandes atuações, lucro com a exploração da imagem. Mesmo que o produto entregue não fosse tão genial quanto em 2006, por exemplo, o risco não era tão alto. O Flamengo ganhou o Estadual, veio o Brasileiro e Ronaldinho teve uma fase de ótimas atuações. Depois, se apagou, teve problemas com Vanderlei Luxemburgo e, desde então, vive de lampejos. A sensação, mesmo quando não joga mal, é de que é comum, discreto. Por vezes cabisbaixo, ausente. 
Cumpre horários, vai aos treinos, mas é acusado de ter uma vida noturna que explicaria o declínio técnico. Dá poucas entrevistas, não se expõe. Tornou-se um produto difícil de vender, imagem difícil de explorar. Só que, agora, ele custa R$ 14 milhões por ano. Vai consumir 7% de tudo o que o Flamengo espera arrecadar em 2012, de acordo com seu orçamento. Sozinho, Ronaldinho receberá quase 20% dos gastos previstos com todo o departamento de futebol do clube. Em 2011, estudo do site "Futebol Finance", levando em conta só salários, colocava-o entre os 50 jogadores mais bem pagos do mundo. Era disparado, o recordista do país.


Receio e hesitação
A favor de Ronaldinho há números. Desde que estreou, em fevereiro de 2011, o Flamengo fez 77 jogos. Ele jogou 62. Com Ronaldinho, o aproveitamento do time é de quase 61% dos pontos. Sem ele, cai a 42%.

— Quem atinge este patamar, já tem uma diferença em relação aos outros na parte financeira. Então, tem que dar exemplo. Seja com participação em campo, em ações do clube, se posicionando em defesa da instituição. Acredito que seja isto que a instituição espera quando faz o investimento — diz o ex-jogador e ídolo do Flamengo Júnior. — Claro que se esperava mais, principalmente em termos de treinamento. Quem ri nos treinos não vai rir nos jogos. A sensação é de que o comportamento tem respaldo da diretoria.

O jogador que mais vezes vestiu a camisa do Flamengo (857) e se tornou símbolo de dedicação se posiciona de forma dura. Na diretoria, predomina a cautela. Por vezes, parece assunto proibido. A presidente Patrícia Amorim não quis dar entrevista. Através da assessoria, disse que "o clube fez o investimento por achar que vale a pena" e que, "no fim do ano, sentamos para conversar". Há quem se baseie numa crença de que, em algum momento, Ronaldinho fará o chamado "algo mais". Michel Levy, vice de finanças, admite que o custo é alto. Mas, ao dizer que o investimento é válido, apoia-se no passado e na esperança no futuro.

— Acho que vale. Numa decisão, na Libertadores, ele vai fazer a diferença quando precisar ser "o cara". Ele fez um gol antológico numa Copa contra a Inglaterra, aqueles 5 a 4 contra o Santos foram antológicos. Qualquer um pagaria cinco vezes o ingresso. Ele tem a possibilidade de fazer diferença — diz.

A questão é que os momentos em que Ronaldinho Gaúcho foi "o cara" no Flamengo foram esporádicos.

— É um esforço grande, sem dúvida (pagar todo o salário). E não é para o Flamengo. É padrão Europa, top. Mas ele cumpre horários, compromissos. O extra, o excepcional, você espera. Mas não é sempre. Ele está na seleção, e o Deco não está. Por um bom tempo, nem lembravam do Deco no Fluminense — defende Levy. — Realmente ele pode não estar tendo grandes exibições. Mas não é tão diferente do compromisso que ele tem, do que deveria fazer. Pode-se esperar mais, não exigir. O resto é detalhe que o cara diferenciado pode fazer de repente.

Respeito à história
A esperada exploração comercial de Ronaldinho Gaúcho na volta ao Brasil virou controvérsia. A parceria entre Flamengo e Traffic foi rompida. As propostas de patrocínio não chegaram aos valores que a empresa imaginava. Como se o potencial do produto tivesse sido supervalorizado. Já o Flamengo ofereceu propriedades, como o programa sócio-torcedor, que já tinham dono. Ronaldinho não tem culpa. Mas o desempenho e o dia-a-dia do craque, na visão de especialistas, não ajudou.

— Ele precisava fazer uma revisão total, consultar uma empresa e mudar de atitude. Controlar noitadas, dar exemplo aos jovens. Assumir posições em prol do clube, se posicionar, tudo isso é imagem. Como fez o Deivid após perder o gol contra o Vasco. Mudando de atitude, ele seria ídolo mesmo sem jogar como em 2006 — diz João Henrique Areias, especialista em marketing esportivo. — Seria fácil vender a imagem do Ronaldinho. A figura dele é carismática, parece estar sempre sorrindo. Mas hoje é difícil fazer marketing com ele. Ele precisa assumir uma liderança, ser decisivo, isso validaria a imagem, mesmo sem um rendimento espetacular. E teria que ter uma imagem de dedicação, não pode furar com patrocinadores. Outro dia disseram que não foi a um compromisso com a Unicef.

Carlos Alberto Parreira treinou Ronaldinho Gaúcho no auge da carreira. Para ele, o grande nome do planeta em 2006 foi sugado a um nível que o corpo não resistiu. Como resultado, na Copa da Alemanha, não conseguiu render. Hoje, associa o declínio ao estilo de vida.

— Ele partia para cima da marcação e passava. Talvez pelos êxitos que já teve, falte foco, falte alegria. Acho que a palavra é renúncia. Não pode, com o nome que ele tem, ficar jogando sem conseguir realizar as coisas. Não tenho nada com isso, mas, com a vida que está levando, ele não vai conseguir. Precisa abrir mão de coisas que gosta de fazer ou nunca mais será o Ronaldinho — diz Parreira, que não hesita ao ser perguntado se ainda vê o astro como jogador de seleção brasileira. — Se quiser jogar uma Copa, vai precisar mudar, renunciar a hábitos. Precisa voltar a ter condição física compatível. Só ficar no meio, lançando bolas, hoje não basta. É chato vê-lo ser tratado como "zero à esquerda nos jornais". Não é justo com o que ele representa.

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