quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A descida dos palanques

Opinião do Estadão

Passam bem os days after da vitória eleitoral de Dilma Rousseff. A euforia que se apossou da presidente eleita e do seu entorno não se transformou, como se podia temer, num ritual de desforra contra o candidato derrotado, que não foi menos "assertivo" do que a adversária quando esta partiu para a agressão nos últimos debates da campanha. "Passado o calor da eleição, todo mundo desce do palanque", tranquiliza o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra. "Quem ganhou vai apresentar os projetos e quem perdeu vai exercer o seu papel, criticando." Não será tão civilizado assim. Agora, porém, quanto mais duradoura a quarentena de rancores e ressentimentos, tanto melhor para o País.

Nesse sentido, o reaparecimento público do presidente Lula na TV, ontem, ao lado de Dilma foi providencial para conter novos surtos de antagonismo, sejam os de sua própria lavra ou dos seus partidários, sejam os dos que vaticinavam que Dilma seria apenas um pau-mandado a guardar-lhe o lugar para 2014 e ele o governante oculto. Recorrendo à habitual comparação com o futebol, Lula disse que estes dias são "dela", Dilma, e ela agora é quem escolhe o time e a forma de jogar, ele indo para a arquibancada, como torcedor, aplaudindo tudo o que ela faça. Muito sagazmente lembrou que, tendo terminado seus dois mandatos com notável consagração popular, seria até uma temeridade candidatar-se em 2014 sob uma expectativa do eleitorado dificilmente atingível. E acrescentou que, se Dilma agir com a competência que ele lhe atribui e tiver o sucesso que ele prognostica, ela terá todo o direito de se recandidatar. Si non é vero... Agora, virão as jornadas derradeiras em palácio e as idas aos últimos eventos internacionais do ano, como a reunião do G-20 na Coreia do Sul, em meados do mês - com lugar para a eleita.

De seu lado, ela voltou a dar boa impressão - pelo que disse e pela forma de se portar - já nas duas primeiras entrevistas ao vivo à TV na segunda-feira à noite e na entrevista de ontem para toda a mídia. De início na Rede Record, depois na Globo - cujos jornalistas rivalizaram para ver quem mais a faria sentir-se em casa, cercada de gestos de simpatia -, Dilma ofereceu um vislumbre da tranquilidade que deve sentir quando controla uma situação, sem interlocutores ou temas que a façam encrespar-se. Ela não precisou, pois, franzir o cenho ao reiterar o seu "compromisso forte com os pilares da estabilidade macroeconômica", entre eles o câmbio flutuante.

A experiência poderá ensiná-la que tampouco precisará fazer cara de poucos amigos para tornar críveis promessas como a de "não brincar com a inflação". Dilma mostrou-se ainda segura ao falar da transição de governo, que ela desdobra em "técnica" e "política". A primeira para estabelecer os procedimentos necessários às decisões consideradas prioritárias, harmonizando uma coisa e outra. A transição política, por sua vez, envolve a adequação dos nomes a serem indicados para dar conta das prioridades. Há um certo travo tecnocrático no enunciado - ministros e altos administradores não se escolhem mediante cronogramas e organogramas.

Mas isso é típico da cabeça da economista Rousseff, mais confortável com decisões tomadas segundo processos controláveis do que a partir de lampejos intuitivos - do tipo "os detalhes a gente acerta depois" -, que marcam o estilo Lula de administrar.

De todo modo, a entrega da transição técnica ao ex-ministro da Fazenda Antonio Palloci - um veterano do ramo - é uma garantia de bom trabalho, facilitado de resto pelo fato de a presidente que chega ter sido durante anos a "capitã do time" do presidente que sai. Já o coordenador político, o presidente do PT José Eduardo Dutra, terá de administrar ambições - a começar do PMDB, a sigla do vice Michel Temer, que protestou contra a sua ausência na cúpula da transição e foi prontamente atendido. O deputado tornou-se o "coordenador político" do processo, o que para muitos soa como uma honraria simbólica. Muitas outras pressões virão.

Evidentemente, o destino dos postos-chave do governo - Casa Civil, Fazenda, Planejamento, Banco Central, Justiça, Defesa, Minas e Energia, Relações Institucionais - será decidido a quatro mãos. As de Lula, como como se sabe, são maiores e mais calejadas que as de Dilma.

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