Bellini Tavares de Lima Neto
“E daí?” Nada pode ser mais perturbador que essa perguntinha. Basta ver que muito sururu, muita troca de sopapos começa exatamente com essa perguntinha. Mas, esse não é o ponto principal, não é aí que reside o drama desafiador. Afinal, em qualquer discussão acalorada, dessas em que a razão passa longe com receio de se machucar, o que não falta é motivo para o passo seguinte, o trogloditismo da agressão recíproca, a troca de bolachadas. Pensando bem, o exercício do pugilato é só uma questão de tempo porque, que virá, isso nem se discute. Mas, nesse caso, como os contendores já estão no clima da rasteirice, não será isso que os incomodará mais ou menos. O problema da perguntinha fatal aparece quando o contexto é outro, o da esgrima intelectual, o do duelo de idéias. Aí ela pode, simplesmente, ser irrespondível. Ela pode se constituir no cheque-mate do jogo de xadrez, no “touché” da própria esgrima, no velho e indeterminável beco sem saída. Essa questãozinha de dimensão tão reduzida pode ganhar contornos de um gigante e levar o inquirido a uma verdadeira crise existencial. Ou a nocaute.
Ainda recentemente um jornal trazia uma matéria a respeito do presidente dos Estados Unidos, o Sr. Barack Obama. Segundo consta, esse homem tem contornos de intelectual, é um sujeito extremamente bem formado, autor de livros, uma pessoa com um bocado de conteúdo. Além disso, apesar de relativamente jovem, foi eleito para um cargo de imensa magnitude em um país que, queiram ou não os opositores, ainda é a maior potência do planeta. Isso faz dele uma figura de projeção internacional, alguém que, seja em função do cargo, seja por conta de méritos próprios, sempre será um diferencial em toda e qualquer matéria. Uma declaração menos feliz de um camarada dessa envergadura pode derrubar bolsas de valores e quebrar gente pelo mundo afora. Assim como uma ”bola dentro” do “Seu Obama” pode levar gente a se dar muito bem, investidor a ganhar fortunas e tudo mais. E a respeito de um sujeito como esse, o jornal abordava uma questão curiosa: o fato de o Sr. Obama ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. É claro que, levando em conta o contexto social e cultural daquele país, que, aliás, não é nenhum pouco diferente do que acontece por estas bandas do Planeta Brasil, é um fato a se registrar: o primeiro presidente negro da terra do Tio Sam. E, sem que eu pudesse sequer me policiar, me vem à mente uma perguntinha: “Obama é negro. E daí?” Pois é, que diferença isso faz, exceto por conta de toda essa desinteligência chamada preconceito racial? Mas, a perguntinha é muito mais dirigida ao preconceito em si: “Preconceito: e daí? Explique-se, esclareça o seu conteúdo, justifique a sua existência.”. Será que existe mortal neste mundo que tenha alguma explicação minimamente razoável para essa história de preconceito racial?
Isso vale para muitas outras situações. A discriminação contra as mulheres, por exemplo. É só uma mulher alcançar algum posto de destaque que não seja nas artes para uma porção de basbaques aparecerem de todos os cantos a entoar louvores e loas à grande conquista. Ainda se se tratasse de algum concurso de levantamento de peso e aparecesse uma dona qualquer levantando trezentos quilos no lombo, teria cabimento o espanto. Mas, quando se trata de um feito intelectual, um cargo político, uma posição empresarial, onde é que reside o espanto? Qual é a diferença intelectual entre homens e mulheres que poderia justificar a pasmaceira sonsa e fora de tempo? Consta que, num passado já distante, houve certas tentativas de se comprovar cientificamente alguma diferença intelectual entre homens e mulheres. Um dos argumentos se baseava na eventual diferença de tamanho entre os cérebros masculinos e femininos. Mas a humanidade já passou por cretinices iguais ou maiores e essa foi devidamente arquivada nos anais da imbecilidade secular ou milenar. Assim, diante do espanto ou admiração pelo fato de uma mulher se destacar seja lá em que atividade for, comportaria perfeitamente a perguntinha fatídica: “e daí? A não ser pela estúpida diferenciação que alguns segmentos da sociedade ainda insistem em fazer, não há do que se espantar, do que se surpreender.
Em meio a toda essa agitação por que passa o Planeta-Brasil por conta do movimento eleitoral, tem um ponto que deveria chamar a atenção mais do que tudo: a troca de acusações entre os candidatos ou entre os inúmeros asseclas dos candidatos. A se considerar o que uns dizem dos outros, o mínimo que se poderia concluir é que, na melhor das hipóteses, tudo isso deveria ser alvo de uma profunda investigação. Afinal, uma das possibilidades é que um dos lados esteja mentindo e o outro dizendo a verdade. Assim, o lado mentiroso deveria ser duplamente punido: pelas mentiras e pela autoria de tudo o que o lado verdadeiro acusa. Não é pouca coisa, não. A outra possibilidade é que os dois lados estejam mentindo. Nesse caso, ambos deveriam sofrer as sanções devidas aos mentirosos. E, por fim, a terceira hipótese é de que ambos estejam dizendo a verdade. Nesse caso, ambos deveriam ser severamente penalizados. O que não cabe, mesmo, é que tudo fique por isso mesmo. Mas, aí, aparece a nefasta perguntinha. Mesmo que os dois lados sejam culpados de tudo o que um acusa o outro ou, então, que um deles seja culpado tanto pelas falcatruas de que é acusado, quanto pela mentirada que andaria pregando, cabe perguntar: “e daí? Sim, e daí? E daí, povo habitante deste Planeta-Brasil? Alguém se incomoda?
Pelo jeito, essa história de se importar com a desmoralização total e com a agonia e morte dos preceitos éticos é tão fora de cabimento quanto o preconceito racial, a discriminação contra a mulher ou, quem sabe, um prato de chuchu refogado sem sal nem azeite. Bem, pensando melhor, deste deve haver quem goste ou se importe.
(*) Advogado , avô recente e morador em S. Bernardo do Campo (SPO). Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com.
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