Sérgio Malbergier (*)
É um paradoxo: quanto mais você perceber que está equivocado, menos equivocado você estará.
Foi o que aconteceu comigo quando vi "Senna" no cinema outro dia.
Era daqueles espíritos de porco, esse sentimento nada kasher, que achavam Ayrton Senna um alienado, que só falava em Deus e namorava loiras inteligentes, quando poderia estar usando sua proeminência para avançar debates relevantes no Brasil.
Saí de "Senna" convicto de que Senna foi um brasileiro enorme, avançado, que tem muito mais a ver com o Brasil de hoje, confiante e ambicioso, do que o país de sua época, sem rumo.
O filme traz cenas de enorme tensão na Fórmula 1, dentro e fora das pistas. Os produtores tiveram acesso a cenas inéditas dos bastidores da F1. O mito Senna despontou no auge da TV, num esporte global obcecado por detalhes e por registro de imagens.
Tudo foi filmado, das trocas de farpas entre Senna e seu rival Alain Prost a conflagradas reuniões de pilotos e dirigentes do esporte a passeios pelas praias de Angra dos Reis.
Os depoimentos das pessoas que acompanharam Senna aparecem apenas em áudio. Vemos na tela só uma sucessão de imagens de arquivo dos fatos eletrizantes da vida do piloto: sua obsessão pela liderança, sua confiança, sua ousadia, seu humanismo. Um espírito animal que hoje se vê em muitas empresas e empresários brasileiros disputando e liderando mercados pelo mundo.
E que delícia rever o Brasil do anos 1980. Xuxa recebendo o piloto em seu programa infantil no auge do namoro das duas celebridades, ele falando alguma obscenidade no ouvido dela, com cara de malandra, exibido no programa infantil líder de audiência entre os baixinhos.
Aliás, não faltam cenas de Senna com mulheres muito bonitas. O que me deixa mais constrangido ainda: uma das ridículas convicções nossas, espíritos de porco da época, era que Senna não gostava de mulheres, falávamos até em premiar quem trouxesse uma reportagem consistente sobre a sexualidade do piloto.
Perdão, Senna. E, não contem a ninguém, chorei no filme. Durante as cenas emocionantes de sua primeira vitória num GP Brasil, em Interlagos. No beijo que dá em seu pai nessa hora. Nas cenas que antecederam a sua morte.
O documentário ainda vai matar a ficção. Enquanto a ficção está exaurida, sem boas histórias a inventar, o documentarista tem como matéria-prima um mar de imagens e sons que não parará nunca de crescer. Hoje registramos imagens de tudo, e isso ainda vai aumentar. Basta um bom roteiro e uma boa edição para transformar essa Babel imagética em grande obra cinematográfica.
Foi isso o que aconteceu com "Senna", o filme. Assista.
(*) Jornalista.
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