Augusto Nunes (*)
Ao longo da campanha eleitoral, Dilma Rousseff recitou a cada comício, debate ou entrevista que faltava pouco para que o sistema de segurança pública, a exemplo do que ocorreu na área da saúde, chegasse à perfeição. Graças ao padrinho, garantiu a afilhada, nem teria muita coisa a fazer depois de eleita. Nos últimos oito anos, a violência dos tempos de FHC foi progressivamente substituída pela paz da Era Lula. Ponto para o estadista que encarou a herança maldita.
No meio da discurseira, aparecia inevitavelmente o exemplo do Rio. Com a disseminação das Unidades de Polícia Pacificadora, as miraculosas UPPs, o companheiro Sérgio Cabral concluíra a façanha histórica iniciada pelo PAC e consolidada pela popularidade de Lula. Nem o mais insensato comandante do narcotráfico ousaria enfrentar os 80% do maior dos governantes desde Tomé de Souza.
Dado o aviso, Dilma sacava do coldre imaginário o trabuco com a bala de prata: se alguma facção do crime organizado tentasse conflagrar os morros cariocas, o Mestre não hesitaria em mobilizar a temível Força Nacional de Segurança Pública. Por que o exército medonho até hoje não foi visto em ação? “Porque o governo de São Paulo não quis”, repete Lula desde 2006, quando a capital do Estado administrado pelo PSDB foi convulsionada por sangrentos ataques simultâneos do PCC.
Em campanha pela reeleição, Lula e Tarso Genro, ministro da Justiça e marechal da Força Nacional, baixaram em São Paulo para informar que poderiam sufocar a rebelião em quatro ou cinco horas. Bastava uma solicitação formal do governador. Pena que os tucanos paulistas tenham teimado em ignorar o bom exemplo dos companheiros cariocas, suspirava Lula antes que a violência no Rio recrudescesse com dimensões apavorantes. O segredo é a aliança entre os governos federal e estadual.
Até o começo da semana, o presidente e a sucessora sustentaram que o entendimento fraternal com o governador Cabral (sem contar a guarda pessoal do prefeito Eduardo Paes) era mais que suficiente para matar no nascedouro qualquer atrevimento esboçado pelos bandidos do narcotráfico. Nesta quinta-feira, dois telefonemas reduziram a farrapos outra fantasia do Brasil do faz-de-conta.
Depois de alguns dias de silêncio, Lula e Dilma ligaram para conversar com Sérgio Cabral sobre o drama que apavora o Rio e assombra o país. Nem o atual nem a futura presidente ofereceram a ajuda da Força Nacional. Ofereceram votos de solidariedade. O país inteiro descobriu que o exército fantasma do Planalto só entra em combate na guerra eleitoral.
Uma última interrogação intriga milhões de habitantes da zona conflagrada. O presidente autopromovido a Pacificador do Universo já se ofereceu para resolver a crise do Oriente Médio e para reaproximar o Irâ atômico do resto do mundo. O que é que há com Lula que não se oferece para acabar com a batalha do Rio?
(*) Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja.
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