terça-feira, 23 de novembro de 2010

Voto nulo

Wanderley Nogueira (*)

O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) apresentou o projeto de lei número 6.871, de 2010, que “dispõe sobre o limite de horário para o término de competições esportivas realizadas em estádios…”. O objetivo é estabelecer que “em estádios com capacidade superior a dez mil pessoas as competições esportivas deverão findar , no máximo, até as 23h15″.

O relator, deputado Deley (PV-RJ), não reeleito e integrante da Comissão de Turismo e Desporto, deu o seu voto contra o projeto, lembrando que em 2003 houve parecer pela rejeição de um projeto similar do deputado Marcelo Rands. Diz que “o projeto é conflitante com o pressuposto constitucional que assegura às entidades e associações desportivas autonomia para a sua organização e funcionamento”.

Equívoco do nobre deputado relator. Organização constante no artigo 217 refere-se à composição diretiva das entidades e associações desportivas. E a palavra “funcionamento” significa, por exemplo, horário de atendimento da entidade. Mas, para agradar aqueles que amam jogos às 10 da noite, encaixou uma explicação improcedente.

Diz que os horários marcados para as partidas não visam tão somente a atender as necessidades das emissoras de televisão. Considerando que os direitos de transmissão são negociados entre as emissoras de TV e clubes ou associações, fica claro que os interesses dos torcedores estão legitimamente representados na relação”.

Outro erro do nobre deputado (e ex-jogador de futebol…). Se os clubes e associações consultassem os torcedores, irão constatar que a imensa maioria não concorda com jogos às 10 da noite.

O deputado relator tenta dizer que jogos às 10 da noite facilitam a vida do torcedor, que tem mais tempo para chegar aos estádios. Quando alguém alertou para a dificuldade enfrentada para voltar para casa, o nobre deputado relatou que “cabe ao poder público não só providenciar transporte coletivo que atenda àquela demanda eventual, como também tomar medidas que garantam a segurança desse público e o bom andamento do evento”.

Depois esse “argumento”, o leitor menos atento pode pensar que o parlamentar relator seja integrante da Câmara dos Deputados de Vanuatu, considerado o país mais feliz do mundo.

O relator - que adora jogos às 10 da noite - ressalta que é “igualmente importante lembrar a extensão territorial do Brasil. Com quatro fusos diferentes - cinco, durante a vigência do horário de verão - a fixação de horário rígidos para os jogos desportivos pode até vir a prejudicar torcedores de determinadas regiões”.

Mais um momento de delírio do deputado defensor dos jogos tarde da noite. O projeto original diz que os jogos devem terminar “no máximo, até 23h15″. Encaixar o horário de início com o encerramento é algo absolutamente “sanável”.

Na conclusão da sua rejeição, o relator (fascinado por jogos às 10 da noite) diz que ” não poderíamos deixar de frisar o fato de que , em breve, o Brasil sediará os jogos da Copa do Mundo de futebol e da Olimpíada. Por se tratarem de eventos esportivos de foco internacional, os horários das partidas deverão seguir as regras dos respectivos comitês organizadores. Sendo assim, as limitações estabelecidas por este projeto de lei poderão criar conflitos na organização dos jogos”.

O deputado Deley - que foi jogador de futebol - não sabe que, nos últimos 80 anos , nenhum jogo da Copa do Mundo começou após às 21h. Portanto, não há nenhum risco de conflitar com a cartolagem da Fifa.

Seguindo a linha dos vereadores, deputados, senadores e prefeitos que “amam” jogos às 10 da noite, o deputado relator esgrima, dribla, pedala para tentar arranjar argumentos favoráveis aos jogos que começam hoje e acabam amanhã . Jogos tarde da noite agradam os poderosos e desagradam a imensa maioria da torcida brasileira.

O texto tenta ter estilo esclarecedor, mas carece de substância. O deputado relator, nesse caso, dá as costas ao bom senso e ao horário aceitável. Os políticos sabem usar palavras. Atuam contra ou à favor com muita facilidade. Alguns usam evasivas, rodeios ou subterfúgios. Outros, inventam desculpas e pretextos.
O voto vazio do deputado Deley tem muito de tudo isso…

(*) Jornalista esportivo . Trabalha desde 1977 na Jovem Pan 

Nenhum comentário:

Postar um comentário